Badalado intelectual e bibliófilo, famoso por entender as minúcias do cotidiano alemão, narra seu dia e o futuro das letras na Feira Literária Internacional de Ponta Grossa Paraná

 

Hoje o dia começou bem cedo. O relógio marcava 7h15 da matina quando um corno deu uma tossida alta no quarto que faz parede com o meu aqui no hotel. Aliás, que paredezinha fina, pelo amor de deus… Quando falaram que o Brasil estava crescendo a todo vapor não me avisaram que essa expansão era inteira em drywall.

Na realidade eu até imaginava que seria acordado durante a madrugada, clima dos trópicos, praia, pensei que as noitadas fossem regadas a orgias. Mas não por uma tosse pigarrenta, opaca, em si bemol. Era uma tosse úmida.

É claro que raciocinei um pouco mais e me dei conta que o pessoal da literatura não ia estar nesse frenético estica e puxa sexual – vide por mim mesmo, que estou nesse sabático mais ou menos desde 1998, numa domingueira em Dortmund-Alemanha.

Acabei mudando minha estadia na última hora: a organização me disse que eu iria “amar” o clima de uma pousada numa vila de pescadores. Cheguei lá tinha barro na entrada mandei o chofer fazer o balão. Não peguei 12 horas de avião para ter que ficar limpando o pé em tapetinho para entrar no meu quarto.

Posso me considerar um cara free spirit, pelo menos é o que penso de mim quando olho no espelho e é o que leio quando acesso meu verbete na Wikipedia. Não corto meus cabelos nem faço a barba já há um bom tempo. Deixei de frequentar salões e barbearias desde a chegada da União Europeia, quando me dei conta que ia ter que pagar o corte em euro.

Apesar de minha idade, meu visual traz um certo frescor da eterna juventude easy rider. Estava à beira da estrada fumando um famosopragmatismo de Habermas, quando um caminhoneiro parou ao meu lado e me convidou para o que seria uma viagem interior de transformação em terras brasileiras.

Soube dias depois que ele havia me confundindo com o que eles chamam de “chapa” de estrada. Eu o ajudei a descarregar 65 carteiras escolares do caminhão e, por isso, recebi o equivalente a 15€ – que não daria nem para pagar meu corte de cabelo na Alemanha.

Me convidaram para narrar um dia inteiro na feira, mas confesso que me faltam forças e ânimo para ficar prestando atenção em cada detalhe do meu dia a dia. A última vez que fiz um diário desses paraDer Spiegel, me esqueci de pagar todas as contas de casa – e durante dez dias não me lembrei sequer de passar o fio dental [N.do.E. o floss].

Na real, posso falar uma verdade? Não estou muito animado com essa viagem e esse evento todo. Acho que se soubesse que essa Flip tinha a ver com livros eu nem vinha.