A Anunciação de Maria segundo o Homem Benigno

*Relato mais ou menos baseado na Anunciação de Maria do Evangelho de Lucas – o apóstolo, não o rapaz que troca película do celular para você

Naquela época Heródes tinha acabado de ganhar a eleição e estava todo prosa como Rei da Judeia. A Judeia eu vou te falar, eu a imagino como se fosse uma Campinas, mas antes de construírem aquele shopping grande que fica na rodovia Dom Pedro – que exagero é aquilo, hein, tem Outback lá será?

E era nessas bandas que vivia um casal, Zacarias, que era sacerdote, mas acho que naqueles tempos podia se casar, pelo que me falaram. E a esposa era Isabel, a filha número cinco de Arão.  Eles dois eram gente muito boa, sabe aqueles que todo mundo adora, convida para fondue, divide apartamento no Guarujá em fim de semana prolongado, comenta direto nas fotos do Facebook: “Eita vocês dois, só que viajam hein”!?

Era uma dupla perfeita não fosse um único detalhe. Já estavam juntos a uma cota e nada de filhos. Os dois já eram madurões e nada do casal dar um centavo que fosse para a Alô Bebê. Imagina só o que esses dois ouviam pelas ruas da Judeia, por anos e anos. “Para quando vem a barriguinha?”; “Gente, vocês já tem apartamento, o carro está pago, tá esperando o que para embuchar”?

Acreditem, Leitores Benignos, essa mulher comeu o pão-sírio que o diabo amassou na sociedade da época, por sua esterilidade. Imaginem o sofrimento dela,  a sensibilidade a que se submetia. É o tipo de situação que eu li nessa reportagem sobre o médico Roger Abdelmassih na revista piauí, se você não for assinante pode clicar à vontade no link que não aparece a matéria, viu. Mas está muito boa, quem escreveu foi a Daniela Pinheiro, na minha opinião uma das melhores jornalistas brasileiras. Suas investigações são espetaculares – se algum dia o porteiro anunciar que é ela no interfone, foge que tu está no vinagre. E é muito linda! Mas nessa foto que colocaram dela no começo da revista achei ela muito magra. O rosto magro. Um beijo, Dani, te adoro.

Rapaz sei que certo dia, durante uma celebração religiosa, no momento em que Zacarias entrava no templo para oferecer incenso, algo aconteceu: um anjo, uma figura angelical, apareceu logo do seu lado. “Minhas almas!”, teria gritado o rapaz, que quase derrubou incenso no chão inteiro do templo, que era de ardósia e isso dá um trabalho para limpar que você não acredita.

Esse anjo, que depois viriam a descobrir que era Gabriel, pediu que Zacarias tomasse tento já que onde já se viu um religioso fazer essa lambança toda só porque viu um anjo, e recomposto, disse-lhe que ficasse tranquilo, pois Isabel haveria de ter um filho. E mais, quando chegasse o menino, teria de ser chamado João.

O anjo ainda disse, nas palavras dele de anjo – vocês sabem como esse pessoal conversa rebuscado né – que esse bebê seria o pé-do-baralho, já dentro do ventre da mãe. Seria bom, puro, não beberia, não ficaria buzinando apressando o carro da frente na cancela do Carrefour e, de quebra, converteria multidões ao cristianismo. Ou seja, ele estava falando de João Batista, tio!

A figura angelical vazou e Zacarias ficou lá no altar com aquela cara de “moço do céu o que eu vou falar lá em casa”.

Dito e feito, Isabel, idosa e, teoricamente, estéril, estava grávida. Fato que, durante meses, se ocultou, não teve post com meias de bebê ou ensaio fotográfico da futura mamãe. Assim lhes foi recomendado pelo anjo.

A prima

Mas a família de Arão era grande pra dedéu, tinha parente para tudo que é lado – mesmo assim, ninguém sabia do milagre que estava em andamento em sua casa. Acontece que, lá para cima, uns 800Km de carro para o norte, na Galileia, na cidade de Nazaré, havia uma prima de Isabel, Maria.

Maria era jovenzinha, estava noiva de José, carpinteiro competente. Bom de orçamento, tinha prazos corretos e era caprichoso. E olha que arranjar um carpinteiro ou marceneiro desses era difícil até mesmo pelas bandas da Samaria. Eu mesmo só me lasco com esses trampos, um dia mandei envernizar uma mesa antiga da minha família e o cara fez o serviço por cima de um pernilongo. Mandei voltar o material para refazer, ele serrou a mesa e fez 4 tacos de beisebol com as pernas. Depois explicou que a ligação telefônica estava ruim e que era o que ele havia entendido.

Em Nazaré, era um dia 25 de Março há uns 2049 anos atrás. Eu chutaria que fosse uma terça-feira. Era noite, Maria estava em casa, distraída. Quando ouviu uma barulheira PLUM POW BAFT, ela assustou que chegou a forçar a cadeira para trás – felizmente, o móvel já era feito pelo seu noivo, que era muito bom de emenda, principalmente, em madeira de lei.

Antes que a garota pudesse imaginar o que seria… Ele apareceu de novo: o anjo Gabriel. Não me surpreende o barulho, a casa devia ser pequena, apertada, imagina o sufoco que é para manobrar asa, auréola nesses espaços estreitos.

Gabriel sempre foi conhecido como “aquele que leva a boa nova”. Esse sim, se estivesse por perto, você podia ficar sossegado que vinha alguma novidade chique. Era o homem forte de Deus, mensageiro dos bons. Quando ele chegava os outros anjos costumavam dizer “a lá, chegou o homão”. E outra, falam anjo Gabriel pra lá e pra cá, mas ele é na verdade de patente maior: arcanjo. É quenem aquele polícia que fica tempos e tempos como sargento e, quando finalmente vira major, o pessoal ainda chama ele de sargento fulano por uns três anos ou mais.

De frente para Maria, o anjo (arcanjo) disse: o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres.

Mais uma vez, a jovem ficou muito assustada, afinal um anjo daquele tamanho naquele horário sem ter sequer mandado um papiro avisando que talvez desse uma batida de asa ali por perto?

“Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus”, disse Gabriel, que já lançou a cereja do bolo: “E eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus” .

Ela por sua vez, ficou meio encafifada, pois era muita informação para uma noite só e, ainda por cima, ela ainda era apenas noiva de José, ou seja, era virgem.

O anjo, por sua vez, disse-lhe que ficasse tranquila e que, da mesma maneira, ele tinha aparecido na vida de Isabel, prima dela, que já estava grávida. Ainda era segredo, mas que, qualquer coisa ela passasse lá para dar uma conferida.

Como o timing de Gabriel era perfeito, antes que a futura mamãe do Filho de Deus perguntasse alguma outra coisa ele já tinha mais uma vez zarpado.

José estava lixando uma porta quando a noiva chegou e lhe contou essa história. Rapaz imagina só a compreensão que esse homem teve diante desse relato. Pegaram as coisas e seguiram para a Judeia, foram lá dar uma olhada em Isabel.

Essa história de comunicar a gravidez é algo muito interessante não é mesmo? É sempre um momento revelador, emocionante e mágico – quando fazem por vídeo no YouTube, viraliza na hora. Bancos fazem propagandas institucionais simulando esse momento no Dia das Mães e é o tipo de anúncio que sempre movimenta grandes audiências. É um momento tão marcante na vida de uma família que, por isso mesmo, deve ser feito com todo o cuidado do mundo. Uma conhecida minha publicou um depoimento nas redes sociais em tom emocionado. Tudo dava a entender que ela estava grávida – inclusive o pessoal começou a parabenizar o casal logo em seguida. Mas se expressou mal no texto, não era sobre gravidez, mas sim que ela tinha sido contemplada em um consórcio de uma moto 0Km.

A passagem do anjo Gabriel na vida da jovem marca a data da Festa da Anunciação de Maria, comemorada desde o séc. XV no ocidente, nove meses antes do nascimento do Menino. A cena foi descrita pelas mãos dos mais variados artistas em belíssimas pinturas e esculturas.

Quando Maria e José chegaram na Judeia e a prima entrou pela porta, o bebê de Isabel chegou a pular na barriga. Ou seja, ela definitivamente estava grávida. E ali, Maria teve mais uma certeza que seria Mãe de Jesus.

Pois, como disse o anjo Gabriel – e como o meu funileiro vive me dizendo –, para Deus, nada é impossível.

Imagens – A Anunciação de Maria, de Leonardo Da Vinci
A Aparição do Anjo a São Zacarias, de Domenico Ghirlandaio
Virgem Anunciada, Antonello da Messina