Gostei muito do documentário original da Netflix, A Vida e a Arte de Stanislaw Szukalski – que, na verdade, pelo polonês ficaria com esse risquinho “Stanisław Szukalski”.
Doc bem feito. Amigos encontram um gênio perdido e esquecido. Revivem sua história – impressionante, um acadêmico das belas artes europeias no início do século XX –, que mora com a esposa em uma casinha em qualquer canto de Los Angeles.
Trazem seus feitos, a genialidade de um trabalho incompreendido, seu passado negro, caminhos tortuosos que o levaram do apogeu a queda. Tudo está no filme, e da melhor maneira possível.
Mas não é disso que vamos falar por aqui, chefia.
Enquanto assistia a esse filme, senti uma pequena tristeza ao perceber a forma como A Vida e a Arte de Stanislaw Szukalski fora descoberta. Percebi que isso acabou, ficou no passado.
Vou tentar me expressar melhor: no mundo hiperconectado, repleto até o umbigo de conteúdos digitais, Szukalski jamais seria descoberto, imagino eu.
O encontro do gênio
Foi a cultura underground que encontrou o Szukalski – ou seria vice-versa?
A cena norte-americana de quadrinhos, roteiros e arte marginais, de onde emergiam nomes como Robert Crumb e figurões como o colecionador Glenn Bray, foi a responsável pela descoberta da arte e, posteriormente, da persona de Szukalski.
A própria figura de um colecionador ser famoso nos anos 1970 me deixa um tanto maravilhado. Estive recentemente pela primeira vez em Curitiba (PR) e notei o grande número de sebos nas regiões centrais da capital.
Fiquei pensando: será que tanta gente ainda coleciona tanta coisa assim para movimentar esse mercado?
Nos anos 1960 e 1970 isso era bom demais! Sem internet, sem Google, sem Wikipedia pedindo dinheiro. O cara encontrava as coisas na unha. E foi assim, literalmente, que bateram na casa do artista polonês radicado nos EUA, gravaram horas e horas de vídeo que acabou virando esse belo filme.
O mendigo e a história oral
Um cara maluco. Genial e maluco. Eloquente, que parece viver sob suas regras, tem suas ideias e teorias cristalizadas nas sua admirável mente, mas que quando se vê de perto, nota-se que é um amontoado de BOs.
Essa história podia ser a presente em A Vida e a Arte de Stanislaw Szukalski, mas também é do mendigo de Greenwich Village, retratado em O Segredo de Joe Gould.
O jornalista Joseph Mitchell fez o mesmo, mas nos anos 1940. Encontrou esse figuraça nas ruas de Nova York, que era conhecido de todo mundo – parece que era meio compadre do e.e. cummings ou algo assim.
Perfilou o sujeito, que dizia ter os originais que seriam publicados sob o título História oral do nosso tempo.
Infelizmente, o desfecho não é dos mais grandiosos como a proposta do livro que o tiozinho carregava para cima e para baixo. Enfim, vale a pena dar uma lida.
Mas a história se repete aí também. Imagino que nos dias de hoje, com tanta internet por todo o canto, certamente já teriam feito um Stories de Joe Gould bêbado falando com os clientes do Bar Brahma na famosa esquina em São Paulo onde Caetano estacionou o automóvel.
Ou o próprio Szukalski já estaria em algum textão do Facebook – “Olha só o que os dezesseis anos do PT fizeram com a A Vida e a Arte de Stanislaw Szukalski“.
Não sou nenhum idoso e sei dar meus pulos nos teclados e mouses da vida. Mas consegui viver uma “certa” fase da minha infância e juventude nesse planeta mais analógico, em que era possível ter essas belas descobertas.
Passados, sei lá, os primeiros 15, 20 anos do advento digital, tenho a impressão de que um rolo compressor já computou, arquivou e disponibilizou em caminhos on-line todas as coisas legais que estavam perambulando por aí.
Pode ser bom né? Bom pra quem? Talvez seja a melhor pergunta.
A Vida e a Arte de Stanislaw Szukalski, além de ser um baita filme bem feito, traz esse pequeno iceberg da memória, da época em que tínhamos que correr atrás do mundo, se quiséssemos conhecê-lo. Hoje basta ter um tempinho livre no banheiro.