Foi você quem me fez assim

Breve história da Estação Ferroviária de Pirajuí

Ruínas, mato alto, pixações, cacos de telha, tijolos e vidro. As imagens da Estação Ferroviária de Pirajuí são de tristeza, esquecimento e descaso.

Durante a noite, há décadas, o que restou do imponente prédio é palco de ocorrências típicas de locais abandonados, com problemas sociais e de segurança, com difícil fiscalização pelos órgãos responsáveis.

Este não é um artigo feito para apontar culpados ou polemizar a zeladoria desse espaço pelo poder público em suas diversas hierarquias.

Como tudo aqui neste Homem Benigno, o objetivo é trazer a memória local, algumas curiosidades e, é claro, exaltar os bons momentos de nosso passado.

Primórdios da Estação Ferroviária de Pirajuí

A estrada de ferro passa pelo território local desde antes da formação do município – para ser mais exato, segundo o site Estações Ferroviárias do Brasil, a Noroeste do Brasil (NOB) foi aberta em 1906, partindo de Bauru.

Em 1905, as Estradas de Ferro Sorocabanas haviam chegado no município vizinho. Entre 1906 e 1908, a linha do trem chegaria até Araçatuba e, de lá, anos depois, até Corumbá, na divisa com a Bolívia.

No entanto, não foi essa linha a responsável pela primeira Estação Ferroviária de Pirajuí. Em 1925, com um alto investimento da prefeitura, à época tendo Manoel Nogueira de Sá como prefeito, seria inaugurado o primeiro prédio desse tipo na cidade.

Em 14 de novembro de 1925, o jornal O Estado de S. Paulo anunciava a inauguração do Ramal Férreo de Pirajuhy, uma bela cerimônia que teve a presença de autoridades estaduais e nacionais – como o secretária da Agricultura do Estado e um representante do então Ministério da Viação.

Primeira estação ferroviária de Pirajuí. Nos anos 1920. Posteriormente, esse local passaria ser o Terminal Rodoviário – Foto: acervo Cassio Cardoso, nosso amigo Cururu!

Os motivos eram simples: apesar de Pirajuí estar em constante crescimento, a cidade que se formava ficava a 6 km de distância da linha do trem.

O primeiro prédio da Estação Ferroviária de Pirajuí (que seria chamado de “prédio velho”) , era localizado nas proximidades da Rua Barão do Rio Branco, mais ou menos entre a Rodoviária e o prédio que hoje abriga a Barão Materiais de Construção (anteriormente, foi a fábrica de artigos esportivos da Penalty).

A primeira estação carregava um sonho: era um trecho inicial de apenas 10 km, mas que deveria cruzar o rio Tietê e chegar a Novo Horizonte, com 90 km de trilhos.

Em 1936, consta que a prefeitura (à época entre passagem de bastão das gestões doutores José Villas Boas de Andrade e Jorge Meirelles da Rocha) chegou a fazer uma baita festa, anunciando o que seria: “O prolongamento do ramal Pirajuí até a Villa Sabino”, que hoje é o município de Sabino, região de Lins.

As obras nunca saíram do papel.

A nova Estação

Apenas em 8 de setembro de 1948 a Noroeste do Brasil tomou a decisão de integrar a estação ao tronco. Dessa vez, seria construída a nova Estação Ferroviária de Pirajuí, a partir de 1949, no alto do bairro Santa Guilhermina.

À época, propriedade de João de Souza Meireles Neto, como não canso de repetir aqui no blog: fazenda onde meus avôs maternos nasceram, se conheceram e se casaram.

Funcionários em frente à fachada da Estação, em 1975. Foto – O Avaiense

A velha estação ainda foi utilizada durante a construção do prédio que a substituiria. No entanto, foi demolida parcialmente e adaptada para ser o terminal rodoviário (que está até hoje em funcionamento, mantendo boa parte do seu visual original).

A passagem de Che Guevara por Pirajuí

A provável passagem de Che Guevara pela Estação Ferroviária de Pirajuí, em 1966, é um assunto misterioso, que povoa o imaginário popular desde o final dos anos 1960.

No entanto, passou a ganhar mais indícios de realidade a partir de uma palestra do então ministro dos Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vannuchi, em Bauru, em 19 de julho de 2010.

Apesar de nascido na Argentina, foi em Cuba que o médico Ernesto “Che” Guevara deixou sua marca na história como guerrilheiro e líder ideológico e político da Revolução Socialista cubana.

Che Guevara em fotografia de 1959, alguns anos antes de sua passagem por Pirajuí. Foto – Domínio Público

Em 1966, militantes do grupo Ação Libertadora Nacional (ALN) teriam embarcado Che Guevara na Estação da Luz, em São Paulo, rumo a Bauru.

O objetivo era que o guerrilheiro, procurado pela CIA, serviço secreto dos Estados Unidos que, à época, estava à caça dos comunistas, chegasse até a Bolívia, viajando pelos trilhos da Noroeste do Brasil (NOB).

Em Bauru, onde trocaria de trens, para pegar o trecho Bauru-Corumbá, teve de deixar a Estação. Passou a noite no Hotel Cariani, no Centro da cidade, em frente à Estação.

No dia seguinte, entraria no chamado Trem do Pantanal e, com ele, passaria pela Estação Ferroviária de Pirajuí, seguindo para seu destino, em Corumbá, onde faria a conexão para Bolívia.

Cerca de um ano após a passagem de Che Guevara em Pirajuí, em 8 de outubro de 1967, ele seria preso pelo exército boliviano no vilarejo de La Higuera (a figueira, em português). No dia seguinte, seria executado.

Tempos depois, a imagem do guerrilheiro morto rodaria o mundo – assim como dezenas de imagens suas, em várias fases de sua vida.

Em 1969, a passagem de Che Guevara por Pirajuí, pela estrada de ferro, habitava os comentários e o imaginário de jovens estudantes da cidade. No entanto, como se tratava de um assunto tabu, eram poucas as informações concretas sobre o caso.

No entanto, apenas com a abertura dos documentos da Ditadura, por volta de 2010, é que as informações confidenciais dos arquivos da inteligência brasileira sobre “Che no Brasil”, passaram a ser mais detalhados.

Esta reportagem do Jornal da Cidade de Bauru traz mais detalhes sobre esse fato.

Trem de passageiros


A partir de 1957, a estação local passou a integrar a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), com foco no transporte de passageiros.

Aqui narro uma passagem pessoal. No final dos anos 1980, meus pais quiseram me proporcionar a experiência do transporte turístico ferroviário.

Fomos para Campinas de trem. Confesso que, aos 6 ou 7 anos de idade, trago poucas lembranças em minha mente. Recordo-me de ter trocado de composição, provavelmente para sair da NOB e embarcar na Sorocabana.

E, é claro, lembro também do vagão restaurante, onde eu devo ter tomado um guaraná Brahma, naquela garrafa de vidro escuro, toda gordinha, quem lembra?

Outra passagem maravilhosa sobre o transporte ferroviário em Pirajuí data de 1987.

Uma turma animadíssima, formada por pirajuienses bastante conhecidos – alguns, já falecidos –, fez o trajeto do Trem do Pantanal, até Corumbá, com muita animação.

Algumas imagens dessa viagem marcante estão no acervo do meu amigo Cláudio Antonio Cândido, o Claudinho.

Nos registros podemos ver Serrato e Deize, Ana Propheta, o próprio Claudinho e duas figuras marcantes da história do nosso município: Claudião Mascetra, que muito inspirou este Homem Benigno com o seu maravilho portal OBiroska; e Odair Santarosa, que partiu precocemente, mas que deixou uma legião de grandes amigos e realizações na cidade.

O fim da operação

É bom deixar claro que a Estação Ferroviária de Pirajuí ainda recebe, pelo menos, um trem por dia em seus trilhos.

No entanto, desde 1995, foi encerrado o transporte de passageiros. Em 1996, a concessão passou a ser da Novoeste, que faz o transporte de cargas.

Em 1998, um trem de carga da Novoeste descarrilou no momento em que atravessava a gare, causando um grave acidente – eu me lembro de ter ouvido o estrondo em casa, na Rua Riachuelo. Saí na varanda e pude ver as estruturas em chamas.

Registro do grave acidente no final da década de 1990. Foto – Reprodução

O prédio e o que havia restado ali já estavam abandonados, ou seja, apenas limparam os resíduos dos trilhos e tudo continuou do mesmo jeito.

Desde então, já se passaram 20 anos, alguns projetos foram apresentados, mas, até o momento, nada de concreto foi feito.

Nunca é tarde para sonhar, não é mesmo? No nosso próximo artigo, vamos trazer uma iniciativa de uma jovem arquiteta da cidade, que propõe uma revitalização radical nas estruturas.

Cabras no caminho. Foto: Helga Bannwart

Fica aqui a saudade dos tempos de ouro da Estação Ferroviária. Um ponto bem alto da cidade, onde é possível enxergar uma visão de Pirajuí muito bonita e amigável.

Para muitos, olhar o município a partir da estação é como ver um quadro de sua vida, com árvores nas ruas e as duas torres das igrejas.

Vista frontal do prédio todo deteriorado. Foto – Daniele Moro
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