Em 2011, durante minhas férias em Pirajuí, acompanhei o Padre Aparecido Cândido, o Pe Cido, em uma pequenina celebração, na varanda de uma casa, para poucas pessoas. Terminado o evento, ele me contou do caminho que percorreu até esse momento, em que já completa uma década na cidade. Tentei narrar brevemente de sua curiosa biografia.
Dentista de consultório montado, tornou-se padre já aos 42 anos.
Esse texto foi publicado originalmente na Gazeta de Pirajuí, na minha antiga coluna Tufão na Gazeta.
Os latidos dos cachorros ao longe se convertem em anúncio: o padre chegou. Uma vez por mês, ele deixava a cidade de Lins (SP) para ir até a fazenda celebrar a missa aos sitiantes. Aparecido tinha aprendido a falar há pouco, mas já entendia muito bem aquele momento. Ao lado da sua família humilde, vestindo sua “roupinha de missa”, ficava todo ansioso.
“Desde muito pequeno, sempre quis ser padre.” Não havia cowboy, super herói, bombeiro ou astronauta que tirasse a atenção do pequeno Cido sobre os vigários. Assim que chegavam à fazenda, ele beijava a mão, abraçava. “Fazia uma festa.”
Aos 11 anos, mudaram-se para a cidade, na Vila Ribeiro, bairro linense onde até hoje vive sua mãe. Lá não foi diferente – não bastasse ir às missas, tornou-se coroinha, passou a entender cada etapa da cerimônia. Conforme a idade avançou um pouco, recebeu um convite para integrar um grupo de jovens na paróquia. A facilidade para fazer amizades e o empenho pela causa surtiu efeito rápido: em pouquíssimos encontros, já era o líder do movimento.
Essas pequenas atitudes eram gotas que irrigavam a predestinação daquele rapaz. Definitivamente, seus caminhos rumavam a uma vida de devoção total ao catolicismo.
Aos 14 anos, a voz que ainda tinha sinais da puberdade soou com palavras mais sérias, em um tom muito decidido: “Mãe, vou ao seminário, quero ser padre”. Por mais que a cena acima já fosse esperada, o outro lado do diálogo emitiu a resposta que não estava prevista. A matriarca não aceitou. Chorava ao imaginar o filho deixar a casa para o seminário, na época, segundo o próprio, uma situação de distanciamento bastante intenso.
A jornada de Aparecido ganhava sua primeira ruptura. “Vou ser padre agora e deixar minha mãe nesse estado?” Jamais faria isso. Nesse momento, como diz o próprio, “não esqueceu, mas botou um pouco de lado a questão”.
A partir daí foi um jovem como qualquer outro. Estudou, trabalhou como enfermeiro durante oito anos na Santa Casa de Lins e até ministrou aulas no Instituto Americano. Enfim, tentou rumar a jornada de uma pessoa na sua idade, cercado de amigos, o que rendeu até uma passagem curiosa: “quase fiquei noivo de uma moça que era irmã de quatro freiras”!
No próprio Instituto cursou Odontologia. De consultório montado, exercia a profissão escolhida, mas, entre uma obturação e outra, um sentimento muito forte queimava em seu peito. “A vontade de ser padre era latente dentro de mim. Fui coroinha, coordenador de jovens, sempre ajudei minha comunidade… Mas eu ainda não estava satisfeito.”
O menino pobre, nascido na roça, que foi enfermeiro, professor e, agora, dentista ainda estava longe de encerrar sua jornada. Aos 42 anos, era a hora de um novo começo.
A morte do bispo
Policiais isolam o local de um grave acidente na Rodovia SP 143, nas proximidades da cidade de Echaporã, região de Marília. A comunidade de Lins recebe aflita uma notícia inimaginável: dentro do carro estava Dom Walter Bini, há três anos nomeado como Bispo Diocesano.
Naquele Corpus Christi de 1987 não houve procissão. Toda a região chorava em luto, diante do corpo do religioso no interior da grande Catedral. Na alma do então dentista Aparecido Cândido, a dor era ainda maior. Há poucos dias, após 42 anos a nutrir o desejo interno de ser padre, finalmente havia tomado coragem e falado com o bispo. Diante de sua morte, não sabia o que esperar: “meu Deus o que o Senhor quer de mim”?
Dom Irineu Danelon foi o escolhido para a vaga de seu ex-professor – posição que ocupa até os dias de hoje. E coube a ele dar todo o apoio àquele profissional da odontologia, em busca de seu grande objetivo na vida. Em 1992, ele finalmente passaria a ser chamado de Padre Cido.
E é como vigário que ele está, em uma missa das 18h de um domingo em outubro de 2011, na Igreja Matriz de São Sebastião. Com todos os bancos lotados, comenta na homilia sobre os dias que tirou para descansar em Santos. Fala sobre a capacidade das pessoas de se isolarem nos dias de hoje. “Imaginem vocês que eu fui no elevador, com uma senhora, do 11º ao 5º andar, sem que ela sequer me desse um ‘bom dia’”, nesse momento, faz silêncio e uma feição de braveza, no que volta a falar subitamente, com uma voz mais fina: “não acredito que as pessoas possam viver assim nessa frieza”. Algumas crianças dão risadas da reação no altar, no que são rapidamente repreendidas pela mãe.
Poucos dias depois, a imponente igreja é trocada por uma varanda de uma casa de família, localizada no Parque Santa Guilhermina. Sob intenso calor das 19h30 de horário de verão, Padre Cido, com batina impecável, fala tranquilamente para trinta pessoas – vizinhos e amigos da família, sentados em cadeiras de cozinha, bancos e apoiados em muretas.
Mais tarde confessou que estava um pouco triste naquele dia. Uma pessoa conhecida, grande incentivadora da igreja, havia perdido alguém da família em condições repentinas. Ao visitar o velório, teve de consolar os presentes, bastante inconformados. “Nesse momento é muito difícil levar qualquer palavra, pois não é fácil para os parentes compreender como essas coisas acontecem”, desabafa. Cido é um padre dos necessitados: dificilmente há um dia em que não visite, pelo menos, quatro pessoas doentes – sem citar os velórios, carentes, etc.
“Hoje me considero um pirajuiense”, fala com orgulho. Há oito anos, quando foi chamado para assumir Pirajuí, chegou a negar o pedido. Numa segunda conversa, Dom Irineu Danelon falou especificamente das vantagens da mudança e citou, inclusive, momentos de sua biografia que provavam isso. “Ele foi muito mais que um bispo, foi um pai para mim. Foi muito bom mudar”.
Em Promissão, onde estava há 11 anos, a notícia de sua saída causou alvoroço. Poucos dias antes da troca, caminhou pelo comércio local com o bispo, para mostrar-lhe o clima de insatisfação que pairava na cidade. Poucos passos foram suficientes para que uma senhora, sem titubear, chegasse até Dom Irineu e interrogasse: “É o Sr. que vai levar o Padre Cido para Pirajuí”? E o religioso, com a mudança já decidida – e bom humor-, respondeu: “Eu não. Quem vai levá-lo é o carro”.
O carro o trouxe, Cido veio, ficou e entrou para a história do município.
(crédito da Foto de Capa: Pirajui.net)
Comments by funcionário Marcelo
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Que relato maravilhoso Luiz Augusto. Se quiser dividir conosco em ...
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