Pouco antes do meio-dia desta segunda-feira (13/4) a notícia da morte do escritor Eduardo Galeano, aos 74 anos, anunciada ainda na manhã, era comentada pelas pessoas na rua 18 de Julio, uma das principais avenidas de Montevidéu. Um jovem atendente de uma loja de cosméticos falava com sua colega de trabalho sobre os anos de escola e as leituras obrigatórias do autor de As veias abertas da América Latina – uma obra de fortíssimo impacto histórico, além de ser aquele livro que tios sabichões adoram comentar em churrascos de família:

Sabe aquilo que vocês aprenderam na escola sobre a colonização da América? Pode esquecer tudo! A verdade esta neste livro aqui ó!

No entanto, nenhum ponto da capital do Uruguai sofreu tanto com a morte do escritor quanto o Café Brasilero, bar e restaurante fundado em 1877 (por um brasileiro, que trouxe sacas de café no porto) e que, por décadas, recebia Galeano ao menos uma vez por semana.

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De estilo clássico, o bar fica na Cidade Velha, porção mais antiga de Montevidéu, que no passado era murada. Com um balcão muito bonito, enfeitado com vitrines recheadas de tortas e doces, possui uma parede tomada por bebidas que, sob o efeito da iluminação de antigos lustres, ganha um ar único. Nas laterais, fotos antigas, algumas de ruas, outras de monumentos históricos e, claro, algumas do mais famoso (e assíduo) cliente.

Galeano sentava na primeira mesa, que fica como um guichê, aberto, de frente para a rua. Lia o jornal e tomava seu café por ali – e era exatamente “o seu”, o Café Galeano, em que a bebida tradicional ganhava uma camada de doce de leite e outra de licor Amaretto.

Era como família para a gente, disse-me a proprietária do Café Brasileño, vinha todas as semanas, não era incomodado, nunca o vi conceder entrevistas aqui – e nem nós nunca o fizemos.

Coincidentemente, no dia de sua morte, a primeira coletiva de imprensa seria realizada ali, em sua cadeira cativa, às 19h30. Equipes de televisão argentinas e uruguaias já posicionavam suas câmeras de frente para sua, até então, tão indiscreta janela. A própria imprensa uruguaia o respeitou em seus minutos finais. Comenta-se por aqui que os jornalistas já sabiam de sua frágil condição de saúde (tratava um câncer no pulmão) e ele estava no maior hospital da capital. A notícia de sua morte já era de conhecimento desde as primeiras horas da manhã, mas, em respeito à família, só divulgaram os boletins às 10h30.

O corpo de Galeano será velado em cerimônia pública no imponente Palácio do Legislativo, em um espaço chamado Salão dos Passos Perdidos, onde se velam presidentes e senadores da nação uruguaia.

Enquanto isso, durante todo o dia, uma espécie de homenagem fúnebre acontecia, de maneira mais leve e romântica, no bar que o escritor frequentou com tanto carinho. Em poucos minutos, entraram dezenas de turistas e moradores uruguaios. Um porto-riquenho perguntou se o corpo seria velado ali mesmo. Pessoas reduziam a marcha na estreita rua para tirar uma foto com seus celulares. A partir de hoje, quem passar em frente ao Café Brasilero, encontrará a mesa da janela vazia.

 

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