Parte I
cho que nem tinha tomado café quando peguei a estrada em direção a Santos, sei que bem perto das 9h da matina eu já tinha deixado o centro da cidade (velha, histórica, linda e puro cavalete de reformas) para me aproximar daquela ponta da praia onde fica o porto. Aliás se há uma coisa que, visualmente, não me animam são os portos – e digo isso desde o primeiro GTA, quando tinha que pegar os carrinhos na rua e levar até o porto para fazer os esquemas errados. Porto para mim lembra aqueles conteineres, todos numerados e empilhados, com sabe Deus o que lá dentro, mas certamente algo que está deixando alguém bem rico.
Logo pela manhã daquela quinta-feira eu já estava na terra de Neymar, Robinho, Chorão e Vavá do Karametade (e seu gêmeo) para embarcar em um cruzeiro de 5 noites a bordo do navio MV Zenith.
Com a barriga roncando, havia saído de São Paulo e já estava em um lugar próximo aos navios cargueiros, um tanto quanto preocupado sobre a existência de um lugar e em que condições deixaria meu possante enquanto estivesse sobre a água. Não deixa de exalar certa ironia essa história de você sair de um veículo, terrestre, pular para outro, marítimo, e enquanto está no segundo, ficar preocupado com as condições do primeiro – se o riscaram, se o roubaram, se estão sentado no capô dele, se estão usando o painel para cheirar farinha, ou seja, vivemos pelos nossos meios de transporte. É ridículo.
Enquanto eu fazia esse textão de Facebook mental, mal pude perceber um jovem rapaz, com o visual vermelho do Eddie Murphy naquele seu show de stand up que tem no Netflix, que quase se jogou em frente ao carro. Ele carregava uma placa ESTACIONE nas mãos e já começou a me puxar para uma esquina. O estacionamento custaria R$ 50 por dia, mas na choradeira acabou morrendo R$ 90, o total. O lugar não era nada agradável e inclusive me fez lembrar novamente daquele missão lá atrás, do primeiro GTA, mas enfim. Estava lá pelo barco, né não?
***
á tempos que venho nutrindo a vontade de ver qualé que era a dos cruzeiros. Grandes amigos já tinham ido e aprovaram a experiência – na real, eles gostaram mesmo da estrutura da parada toda, já que venderam algo ao estilo “universitário” e, ao chegar lá, as pessoas mais pareciam ter fundado os cursos universitários no Brasil, de tão maduras.
Por outro lado, um cara que não é tão amigo meu assim, mas que admiro pacas, o finado escritor David Foster Wallace, fez lá pelos anos 90 um #PUTA texto narrando sua experiência em um navio – curiosamente, o mesmo que eu embarcaria logo mais. Porém, o escriba desceu a lenha na experiência, que entrou para a história do jornalismo-literatura modernos sob o título de Uma Coisa Supostamente Divertida Que Nunca Mais Vou Fazer (acho que dá para ler uma versão dele no inglês por aqui – se não der também, pelo amor né, dá seus pulos que eu não tenho filho desse tamanho).
Na ocasião, é claro, o escritor foi convidado a escrever sobre o tema e vivenciar a experiência, etc. No caso aqui do Homem Benigno vocês devem bem saber que foi tudo com recursos próprios – o que não é grande coisa, pois, se comprado com certa antecedência, um cruzeirinho desses numa cabine ok sai uns milão (eu ia falar uns mil cruzeiro, mas me contive). Um detalhe fundamental para esse relato: trata-se de um cruzeiro all inclusive, e nesse all pode ter certeza que tem bebida alcoólica pro meio. O Brasil é um dos poucos que oferecem essa opção – na maioria dos destinos, mesmo aqui no país também, só o rango é liberado, sendo a bebida vendida à parte, ou através de uns pacotes, tipo 30 chopps, 15 doses de uísques, etc. Ou seja, para o cara que bebe que dá gosto, mais uma preocupação financeira, o que não aconteceria comigo.
O MV Zenith é um navio bitelo construído na Alemanha, mas que desde então pertenceu a companhias de outras nacionalidades… Nessa época ele ainda estava nos trajetos da espanhola Pullman Tour, mas parece que agora já tá na mão de um pessoal francês. Ele não é dos maiores, tem capacidade para uns 1,8 mil passageiros e mais uns 600 da tripulação, mas mesmo assim impressiona vê-lo já aportado, imponentemente branco, aguardando minha ilustre chegada (leia-se, a apresentação de comprovante do pagamento da minha primeira parcela).
***
omo bom pessimista sofrível, categoria a qual integro nesse jogo de RPG chamado vida, a experiência em um cruzeiro traz à mente muito mais coisas negativas que positivas: a catástrofe eminente, a contaminação alimentar, a endemia em alto mar, mas, dentre elas, a mais realista de todas, o enjoo (caiu o circunflexo, vocês tão ligado né?).
Sempre passei mal em embarcações, mesmo aquelas que não estão na água, como os barcos piratas de parques de diversão que se instalavam em Pirajuí. Uma vez em Camboriú fiz um passeio de escuna com uns amigos e quando chegamos na tal ilha fomos dados como mortos. Mas aí nos serviram uma Coca-Cola de 2 litros e tudo voltou ao normal, sendo que revivemos a tempo de pegar a janta que já estava paga no hotel.
Para subir no MV Zenith nas cinco maravilhosas noites em alto mar, eu já havia lido centenas de páginas sobre a prevenção de enjoo marítimo. Soube por um desses sites de viagem, por exemplo, que nos sentimos mal porque a água do nosso corpo começa a remexer também, junto com o navio, e isso faz esse trupé no organismo. Daí é vômito, tontura, fim de namoro e por aí vai.
Todo mundo fala muito do remédio Dramin, que previne o enjoo, mas parece que você tomou uma marretada de frigorífico na nuca. Apesar que um conhecido meu de Pirajuí vinha de ônibus até São Paulo com dois comprimidos no peito para não passar mal, chegava aqui na capital e ainda assistia aula o dia inteiro e, no final, ainda ia pra academia, puxava ferro e corria uns 5km – “eu ia correr 10km, mas daí fiquei com um pouco de sono”, me disse uma vez.
No entanto, meus estudos avançados mostraram uma segunda opção: o Meclin. Usado pela turma da gravidez, ele teria o mesmo efeito contra o enjoo, com o destaque de não dar taaaaaanto sono assim. Ou seja, estaria prevenido de passar mal e, por outro lado, com a bola toda para MOER ESSE NAVIO!
Comprei uma cacetada de Meclin. Deixei o carro no estacionamento. Sabia que ele dava um pouco de sono, mas era hora de prevenir qualquer mal estar. Atravessei correndo a rua, malas no lombo, antes mesmo de despachar corri até a primeira garrafa d´água, joguei o comprimido na goela: estava protegido, pronto para a batalha. Só me esqueci de um trágico detalhe. Tomei o comprimido às 9h15 da matina. Só fui chamado para embarcar umas 14h30. Você calcula o sono que passei naquelas cadeiras infernais do Porto de Santos.
continua…
Leia aqui a PARTE II