Foi você quem me fez assim

Um chef de cuisine: de rolé na alta gastronomia

A mania agora é a alta gastronomia, já reparou? É um tal de foto em Facebook e Instagram mostrando prato de comida, pão caseiro, vinho caseiro, urina caseira, a coisa está embaçada. Quanto aos pratos de comida e hamburguer eu não ligo, até curto ver umas variedades legais e criativas que o povo tá mandando pra dentro da barriga – e pagando aí uns R$ 80, R$ 100 em um prato, a não ser que tenha imprimido o voucher de compra coletiva né.

Mas o foda é quando começam aquele monte de fotos de comida feita em casa. Esses dias uma conhecida minha mandou um brigadeiro gourmet de panela no Face. O doce até parecia bonito, mas a panela, Jesus amado, parecia que tinha sobrevivido ao Desembarque na Normandia, de tão baleada. E sopa? Sopa é um negócio que não se deve tirar foto. Já foi inventada na forma líquida para isso, para não causar alvoroço. É da panela para a goela. Botam umas foto de caldos com uns nome em francês e aquilo parece que a pessoa está verificando o nível do óleo da caixa de câmbio.

O sucesso danado que o programa MasterChef Brasil está fazendo, bem como essa série magnífica Chef´s Table, que passa nesse canal para filme Catálogo que só tem no Playstation, o Netflix, estão contribuindo para um processo de endeusamendo da figura do chef de cozinha.

Eu adoro, ver a persona altiva do mestre gastronômico cavalgando entre auxiliares nervosos, correndo com pedidos enquanto garçons engomados tentam manter a calma da clientela chique e faminta. Só que nada tira da minha cabeça que, para o brasileiro médio, aquele que passa a compra do mês no ticket refeição e completa o que faltou no cartão, “bota no crédito, por favor”, essa misancene dos cozinheiros de branco é algo que só existe na TV. É o mesmo que telefonar na casa do Rubens Ewald Filho antes de ir ao cinema, saca?

É lindo ver a plástica dos grandes restaurantes, aquela fachada magnífica, toda iluminada. Mas quando você resolve encarar,  passa em frente bem devagar com carro e um pouco distante da calçada, para não ter perigo do vallet pensar que você vai deixar o carro no estacionamento deles – porque daí já são mais uns R$ 20 na conta.

Sem falar que, muitas vezes, esses ristorants oferecem coisas que fogem do nosso conhecimento básico, ou são estrangeirismos, ou frescura inventada mesmo. Tem uma história muito famosa em Pirajuí de dois amigos que, na década de 80, vieram para São Paulo e foram tomar uns chopps num lugar meio chique. Daí copo vai, copo vem, a conversa fluía e a bebida descia gostosa. Em determinado momento, eles fizeram o pedido, mas com uma observação: “ô menina, vê mais dois chopps pra gente, mas não precisa trazer mais bolachinha, pois já estamos cheios”. Os desacostumados clientes estavam degustando, também, os porta-copos de papelão ou “bolachas”, que vinham sob as tulipas.

Daí você entra num belo estabelecimento desses e vem uma garota, linda, franjinha, te recebendo muito bem. Para muitos, a maneira mais sublime que já foi tratado na vida – e isso inclui o tratamento dado pela própria mãe, pela catequista e pela primeira professora no prezinho. Essa hostess te trata tão bem que você já fica desconfiado e começa a esperar a hora em que ela vai pedir um dinheirinho pela educação. Geralmente ela não pede.

A gente assiste a esses documentários sobre os reis da gastronomia e vemos aqueles chefs super eloquentes, inteligentíssimos, conversando com os clientes, contando de onde veio cada cenoura orgânica, rabanete, etc. Daí vem para a vida real: você acabou de pedir um prato de comida por R$ 76 (fora a Coca Zero); teve que perguntar umas cinco vezes ao garçom o significado daquelas palavras e, finalmente, na hora que chega esse rango, uma merrequinha no meio de uma travessa de porcelana, me vem o dono do lugar, que tá te tirando, nada nada, uns R$ 200 numa sentada, para querer falar groselha em cima do PF? Eu já falo na hora ô meu amigo, me dá uma licencinha para eu comer, se eu quiser saber de onde veio esse pimentão eu procuro na homepage do restaurante depois, tá. E se ele insistir muito eu já falo para cancelar os 10%.

 

*Imagem de capa: cena do fantástico Chef´s Table
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