Já diziam os sábios Incas, quando ficavam por horas enfileirados sobre suas lhamas nas datas de oferendas aos deuses: um belo e longo engarrafamento no trânsito de feriado prolongado é uma experiência de quase morte. Você sai da estrada (principalmente o motorista) como se tivesse resistido a uma intervenção cirúrgica grave ou presenciado algumas “verdades” sob o efeito de substâncias lisérgicas.
Pensando nisso especialistas em rodovias, conselheiros matrimoniais e romeiros de Aparecida do Norte vêm trabalhando a 146 mãos via Google Docs em um documento que reunirá Os Dez Mandamentos do trânsito de feriado prolongado. A ideia é purificar a alma e dar uma lição de moral no ser humano que insiste em pegar a estrada, principalmente para o litoral, em datas como fim de ano, carnaval, páscoa e dia da bandeira.
Transcrevemos logo abaixo uma das versões Rascunho encontrada por engano em um computador logado numa lan house do metrô Patriarca, em São Paulo-SP.
Os Dez Mandamentos do trânsito de feriado prolongado
1. Não, não existe amor no trânsito de feriado prolongado.
Evite ficar sorrindo dentro do carro após filas de 7, 8, 12 horas. Não dê entrevistas para emissoras de TV litorâneas falando “Uhuuuu! Aqui tudo é festa, não importa onde!” Claro que importa, você está preso dentro de um Corsa Sedan há quase meio dia – e seu filho do meio está com diarreia 🙁
2. Esqueça que seu veículo possui buzina.
Há um certo grau de insanidade no sujeito que, vendo que as filas de carros se estendem por todo o mapa do Estado, insiste em ficar apertando a buzina como se fosse um cientista louco – ou um motoboy passando por uma agência de modelos. Recomendamos que retire a buzina utilizando uma chave de fenda e, quando um trouxa ficar buzinando feito doido ao seu lado, você arremessa o acessório nele.
3. Muito cuidado com as necessidades básicas.
Tente, na medida do possível, utilizar banheiros de postos de gasolina e centrais de atendimento ao usuário das rodovias. Em caso de paradas na estrada, tente se esconder na mata, para que a família do carro vizinho não te observe em seus momentos mais íntimos. Aos moleques piranhas que ainda estão matando a vodka que sobrou da viagem, ao urinar nos acostamentos não façam um chafariz em direção aos outros carros. Pode ser que o motorista pai de família possua o porte de armas de fogo.
4. Não discuta herança no trânsito de feriado prolongado.
É muito comum que, nessas horas e horas de carros parados, a galera comece a tentar acertar assuntos que deviam ter sido trabalhados dias, meses e até anos antes. Sob o sol, chuva e tédio, os ânimos podem ficar tensos e o testamento não será bem redigido, vai por mim.
5. Trânsito parado não é lugar de falar de ex.
Essa vai para os casais de namorados. Numa situação limite é sempre comum que alguém lance o nome do antigo parceiro na situação, em tom de desabafo. “Ai porque o fulano jamais optaria por subir pela Imigrantes num dia como esses”. Meu amigo, aí você vai dar pano para a manga. Pior que o trânsito intenso, é a DR que literalmente não vai para lugar algum.
6. Opte por alimentos leves.
Biscoitos de polvilho, bananas e maçãs são boas pedidas. Camarão na moranga, PF nordestino e batata doce, por motivos óbvios, não são.
7. Opte por músicas de artistas de rock progressivo para passar o tempo.
Um disco do Dream Theater tem entre 8 e 23 horas. Cada música de uma banda dessas, pode representar uns trechos a menos de stress no trânsito parado. Se você não gosta de Dream Theater, o que é bem comum, aconselhamos também roer as unhas.
8. Se você não é mecânico, não tente mexer no carro alheio.
E se não parar para ajudar, evite baixar os vidros e falar um “se fudeu, trouxa”. Isso não é de Deus.
9. Tenha plena consciência que jogou o descanso fora.
Banho de banheira, spa, passeio de banana boat, vinhos. Esqueça! O trânsito de feriado prolongado faz o favor de deletar todo as horas de relaxamento que você investiu nesses dias. O máximo que você pode ter são aquelas bolinhas de madeira bregas pra chuchu que os taxistas usam nos bancos dos automóveis.
10. Não faça promessas, juramentos, pactos de sangue que essas viagens furadas nunca mais vão te pegar.
Ano que vem nós estaremos, de novo, nesse mesmo trânsito. Vai por mim.