Puta merda, que voz de trovão tinha essa mulher hein? Amy, o novo documentário sobre Amy Winehouse mostra que a britânica cantando era uma moto Hayabusa acelerando, um tsunami se aproximando, um Miguel Falabella apresentando um programa sobre novelas antigas da própria emissora em que ele trabalha.

Mais que isso: além de cantar, essa produção mostra a facilidade – e a genialidade – da mina na composição. Aliás, acho que o termo ‘facilidade’ sequer é correto nesse caso. A dificuldade de se expressar socialmente, na vida real (que é tudo aquilo que acontece fora de Los Santos, no GTA, e da plataforma Second Life), fez com que botar isso no papel e cantar fosse tão simples e certeiro.

Você pode até ser um entusiasta de outros estilos musicais, mas tenho certeza que se recorda exatamente do momento em que, pela primeira vez, ouviu Amy Winehouse cantar. Há grandes chances de ter sido com Rehab – é claro que, nesse momento, aparece o erudito do britpop que vai dizer que já acompanhava o trabalho dela desde os tempos da rádio universitária e que, inclusive, tinha um tio-avô que sintonizava a BBC One numa obturação velha de dente, onde era capaz de ouvir Amy entoando clássicos da música folclórica britânica.

Gostei muito de Rehab, é fato – o clipe ajudou, aquele cabelão preto, o clima que flerta com o jazz, soul, funk, sei lá, acho que já estou escrevendo bobagem. Mas a fisgada do real tamanho que ela representava, para mim, veio com Tears Dry On Their Own. Meu Deus, o que foi aquilo. Sabe que às vezes eu ouço um povo falando: “ai queria ter vivido na época Vitoriana”, “nossa eu devia ter nascido no Egito antigo”, “ai eu queria ter sido da corte de Luis XV”. Isso no sentido artístico né, sobrinho, pois já imaginou sofrer uma diarreia naquela época? Sem um Floratil™? Ou então quando a bateria da carruagem arriasse, sem um 0800 de seguradora gravado na agenda do celular? Fica quietinho…

Então, o documentário sobre Amy Winehouse mostra bem esse conjunto da obra que faz com que você se sinta um privilegiado, pelos “deuses do tempo” terem lhe concedido uma chance de ouvir essa jovem artista, com um espírito tão antigo, cantar. Abro aqui um parênteses para falar isso, também, dos filmes do diretor italiano Paolo Sorrentino, mas esse tá mais vivo que esse mosca de boi do seu namorado, que só fica atrás de poker.

Em Tears Dry… rola outra situação inédita, ao menos para o meu gosto. A música tem um daqueles clipes em que o cantor fica o tempo todo andando. Se tem um negócio que me deixa desgraçado da cabeça são esses clipes. Nunca suportei. Tipo aquele Why Dont You Get A Job, do The Offspring ou o Bittersweet Symphony, do Verve (vocês viram que eu estou tiozinho né). Esse povo podia estar trabalhando, sei lá, carimbando uma papelada, desmontando um motor de geladeira, mas não, ficam nessa andança que dura os exatos minutos da canção. Curiosamente, nessa música da Amy eu achei que caiu bem, parabéns, continue assim.

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Inclusive já está no Netflix (pelo menos no meu estava)

O filme já ganhou uma cacetada de prêmios e é dirigido por Asif Kapadia, aquele sujeito que fez você chorar com o documentário Senna (2010).

Infelizmente, tem a parte triste da vida de Amy Winehouse – que, aliás, não é pouca. Afinal, isso é um documentário, tru e não Pokémon. Todos sabem que a cantora foi vítima das bebidas, das drogas, do sucesso e da mídia. O filme mostra isso de forma ainda mais evidente… Eu me senti até culpado nessa história toda. Quando estamos buscando as notícias sobre famosos, estaríamos nós, de uma certa forma, consumindo um pedaço das celebridades também? Despejando mel e granola por cima ainda?

Quando ela se relaciona com o tal namoradinho lá então… Tinha que ter um Distrito Policial só para os dois porque, olha, era só BO. A verdade é que faltou um sujeito que chamasse esse menino de canto e desse um chega-junto nele “escuta aqui ô, cidadão, o negócio é o seguinte, agora tu tá guerreiro, e pá”, sabe? E as fases – boas e ruins – dos dois, é claro, viravam música. Baseada nessas fitas, a cena da gravação da voz para Back to Black é das coisas mais lindas já filmadas.

Aos 27 anos, o destino apertou o eject na vida dessa imensidão de talento. Ficou um legado curto, mas sólido feito diamante. Até esse Tony Bennett, que pelo jeito cantou até para a Cleópatra, confirma isso. As etapas de sua vida se formam e se esfacelam diante dos nossos olhos. Nas duas horas de filme há momentos em que você chega a pegar o controle nas mãos e pensar: “Mas que cacete, bem que podia dar para a gente rebobinar a vida da Amy Winehouse. Quem sabe, ela tivesse feito, um pouquinho só, diferente”.

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