Foi você quem me fez assim

Dona Bastiana e as benzedeiras de Pirajuí

Quando criança, era cena trivial em casa: se eu e meu irmão estávamos tendo gripes constantes, muito medo ou mesmo brigando excessivamente, lá íamos nós para a casa da benzedeira Dona Bastiana.

Não há sequer como contar o número de vezes em que me vi sentado frente à simpática vovozinha, momento em que minha mãe explicava o que se passava com o “paciente” e, pronto, começavam os trabalhos para a espécie de cura espiritual.

A que mais frequentava era Dona Bastiana (seu nome era Sebastiana, obviamente), já falecida. Sua residência era uma casa muito simpática, logo na primeira rua da Vila Esperança, bairro onde eu também residia. O seu ambiente de trabalho era a sala, a primeira entrada da casa, que era separada da varanda por dois degraus.

O lugar era inesquecível. Um agradável cheiro de ervas pairava por toda sala – creio que alecrim ou arruda, talvez ambos; as paredes eram cobertas de imagens, fotografias e quadros. Eram lembranças de uma vida inteira dispostas em cada um dos cantos: aquelas fotos antigas, de família, cuja técnica mistura fotografia e pintura, algumas mais recentes e até no tamanho 3×4. As imagens de santos também eram uma constante, talvez em maior número que os retratos em si, que ali estavam dispostos em modelos de barro, bandeirolas e calendários.

Dona Bastiana
Esse era o estilo das fotografias que ficavam nas paredes de Dona Bastiana – Crédito: Molho Agridoce

Os sintomas eram apresentados à Dona Bastiana que, logo em seguida, sentada no sofá em frente, com as mãos se movendo, começava sua benção. Era algo muito forte, uma longa sentença que vinha decorada em sua mente – da qual não me recordo, a não ser dos versos iniciais, algo como:

Com Deus adiante, paz na guia; Recomendo com Deus, a Virgem Maria…”

Após esse intróito, vinha uma série de doenças e males, dos mais diferentes, geralmente arcaicos e calcados na sabedoria popular. Confesso que, quando criança, me esforçava para não dar risada diante dos nomes tão esquisitos (lombriga esticada, lombriga empelotada, “mazóio” ruim, entre outros).

Finalizada a oração, uma espécie de diagnóstico era feito e uma receita natural fornecida a minha mãe. Lembro-me apenas de ter bebido leite com hortelã e tomado banhos com arruda.

Não se pagava em dinheiro por esses préstimos. Eram feitas doações de um pacote de açúcar, ou sal, arroz, etc. Dona Bastiana agradecia e, só às vezes, combinava uma espécie de retorno. Não me recordo de ter buscado farmácia ou auxílio médico após nenhuma visita à simpática benzedeira – por incrível que pareça, já que hoje em dia, sequer as farmácias são autorizadas a prestar tais atendimentos.

E essa foi só a minha história… Imaginem quantas pessoas já não passaram pelo mesmo sofá ou receberam as mesmas orações? E esse foi apenas o caso da Dona Sebastiana, dentre tantas outras que benziam e benzem em Pirajuí.

A última vez que me benzeram foi interessante. Foi em 2004, durante uma reportagem que eu e o grande batalhador do Semanário O Alfinete, o saudoso Marcelo Pavanato, fazíamos com o Benedito Guedes, o ex-vereador Ditinho da Cadeira de Rodas, no Jardim Aclimação.

Com uma pequena Bíblia nas mãos, Ditinho nos benzeu. Lembrando agora, aquilo me fez um bem danado… Acho que estou precisando urgentemente de uma benzedeira, viu.

Outras benzedeiras

O texto acima foi publicado há quase dez anos, no jornal O Alfinete de 2 de setembro de 2009. Me lembro muito bem de Dona Bastiana, mas havia também a Dona Alaíde, do Jardim América, se não me engano – entre tantas outras. Se forem lembrando, por favor comentem por aqui também.

Passados os anos, conforme fui crescendo fui me tornando amigos dos familiares de Dona Bastiana, como o Odair Bezerra, que à época era o rapaz mais velho da turma, sempre zelando para que a molecada não aprontasse ou fosse pro “lado errado”, o Marcião que foi um amigo de infância e hoje é, talvez, um dos maiores artistas plásticos da história de Pirajuí, com obras exportadas para diversos continentes, sua irmã Adriana, etc.

Sem citar o já famoso Silvio “Índio”, que já esteve homenageado nas páginas deste Homem Benigno. Aliás, peço um favor aos familiares, se tiverem uma foto da Dona Bastiana, por favor me enviem, para que possamos registrar seu rosto abençoado aqui neste post! 🙂

A primeira vez que o atleta Índio correu em São Paulo

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