Diante do antidesportivo episódio envolvendo o grandioso derby entre as equipes argentinas Boca Juniors e River Plate (do inglês Rio da Prata), vem à mente algumas considerações sobre o uso desse condimento não-letal. Na ocasião futebolísitca, um misterioso gás de pimenta invadiu o túnel que dava acesso ao vestiário do River, o que irritou as pupilas adversárias, encheu de ódio os amantes do bom futebol e fez com que seu primo chato levantasse do sofá e, mais uma vez, contasse: “eu já fui nesse estádio quando estive na Argentina em 2009”.
O efeito do gás pimenta é repulsivo por utilizar, justamente, o senso comum. Pimenta é quenem quiabo, tomilho ou etiqueta da blusa pinicando o pescoço: grande parte da população não gosta. Ao materializar um produto químico à base de pimenta, é bem provável que o alvo não vá apreciar – mesmo quem ama pimenta, quando come sente a ardência. A cara de fingimento, de que está tudo bem, geralmente ocorre porque está de namoro novo e é hora de se mostrar um homem forte para a companheira.
Fez lembrar de um conhecido que, em um churrasco, foi desafiado a ingerir três pimentas cuiabanas (provenientes, ao que tudo indica, da cidade de Cuiabá-MT) de uma só vez – e mastigá-las. Para o feito, os participantes da empreitada desembolsaram quantias em dinheiro. Com a grana no bolso (uns R$ 100, ou US$ 28 ou 1.456,340 ienes), jogou as vermelhas pimentas na goela como se fossem hóstias. Minutos depois, sentado no chão da edícula, não resistiu e, contando o dinheiro, aos prantos, desabafou: “Por que eu estou fazendo isso com a minha vida”?
Por isso não é possível termos um spray de bife de fígado, pois, não há meio termo: ou a pessoa odeia, ou AMA fígado.
O gás pimenta mais tradicional no mundo ocidental costuma ser produzido a partir da pimenta dedo-de-moça. Na sua versão mais leve, ele é armazenado e curtido em vinagre. Para casos de protestos mais violentos, que exijam uma intervenção mais certeira, utilizam a versão do spray em que a pimenta é curtida no óleo ou azeite. Aí segura, meu amigo.
Mas não pense que durante o tempo todo foi assim: melzinho na chupeta. Em épocas mais duras da história, em períodos de repressão, o spray de pimenta chegou a ser feito a partir das agressivas pimentas cumari e, a mais temida, a malagueta.
O gás de pimenta malagueta curtido no óleo ou no azeite gera uma dor equivalente a um tiro de pistola 380, que por sua vez, equivale a uma facada bem dada no bago.
Enfim, são sintomas do controle social, consequências de uma época em que há uma busca por uma tecnologia que evite confrontos e espalhe multidões. O gás pimenta não é letal, mas o que quase mata é usarmos esse tão peculiar tempero, em atos de violência. Vem mais por aí, algumas empresas estão ousando em gourmetizar o spray de pimenta, processando iguarias orientais ou, até mesmo, a uma versão baladeirinha, feita a partir de Tabasco™.
Não há prevenção ou milagre contra o gás de pimenta no rosto. Uma vez atingido, tem de esperar o efeito passar. O que pode ser feito é desfrutar da matéria-prima desse equipamento de contenção de tumultos enquanto termina a ardência. Uma cachacinha mineira vai muito bem.