Foi você quem me fez assim

Quero ser Beto Salada

Aproveito a pensata certeira produzida pelo mestre Francisco Barney de Holanda recentemente na UOL, para prolongar um pouco mais esse tema, que tanto tem me proporcionado reflexões: o personagem Beto Salada, do programa Pânico na Band.

No ar desde julho (ao que me parece, ele começou como parte integrante do quadro Pânico Festas e cresceu para um próprio), esse tipo Beto Salada é interpretado por Daniel Zukerman, e consiste em um típico colunista social dos programas de TV, porém com uma indumentária extra: uma alface na cabeça que serve como peruca ou gorro.

O figura invade as festas e, numa edição em formato de pílulas, faz intervenções ao lado de artistas (geralmente no campo das subcelebridades) – e é exatamente aí onde se esconde a pepita de ouro da atração.

A arte de ser conhecidão

Beto Salada, em resumo, é um cara super conhecido. Um conhecidão. Aquele sujeito que todo mundo sabe quem é e, principalmente, que ele também parece conhecer algum detalhe sobre seu interlocutor. Essa é a mecânica de suas participações.

Em um desses incontáveis textos sobre a grandeza de Frank Sinatra (caramba só escrevem sobre o Sinatra, já reparou? Não havia outro americano disponível para gastarem tanta tinta?), consta que, isolado como estrela maior em meio à sua orquestra, o crooner era capaz de interromper uma gravação e perguntar para o fulano do trompete: “deu certo o lance lá da escola da sua filha?” – e essas pequenas atitudes enriqueciam seu caráter.

Ao entrevistar um sujeito, mesmo que um anônimo, Salada faz um pequeno introito, que funciona como um resumo do entrevistado, uma oração que, roteirizada ou não, é repleta de riqueza, humor e um verdadeiro plot twist social. Em frente a um conhecido diretor de entretenimento da antiga TVS, o colunista social o introduz: “Ele que é um dos maiores cheiradores da televisão…” – no que a edição exibe um semblante de horror no sujeito, afinal, não deve ser nada confortável ter um suposto vício escancarado diante de um cinegrafista e um iluminador. No que o repórter prossegue: “… cheirador de calcinhas, é bom deixar claro”. 

Como bem apontou Chico Barney, o talento de Zukerman no cinismo permite que ele profira, diante de um interlocutor, as maiores atrocidades possíveis sem sequer mudar o tom de voz ou sair da personagem.

A pessoa topa participar da entrevista, vai aparecer na Band no domingo, será entrevistada por alguém que parece conhecê-lo de algum lugar. “Esse sujeito aqui já me vendeu entorpecentes mais de uma vez”. Nesse micro-instante, a arte de Beto Salada reside no fato de que, tirando os ultra discretos ou as vítimas de síndrome do pânico e perseguição, todos querem ser conhecidões. Mas ao participar do quadro, essa alegria dura pouco. O desejo pelo sucesso se converte, em fração de segundos, em um arrependimento ao estilo “nossa, como fui cair nessa”.

Beto Salada
Beto Salada vai além da conversa aproximada e acalorada. Ele utiliza do tato e do toque (Fotos: Reprodução)

O Beto Salada de todos nós

Durante algum tempo trabalhei com assuntos que envolviam a área de segurança (outro dia dou mais detalhes). Nessa época, tomei conhecimento de uma prática bastante curiosa que é a arte da carteirada.

O ato de conseguir pequenas vantagens utilizando sua profissão é mais antigo do que imaginamos. A própria Bíblia tem lá os seus quatro ou cinco versículos com a descrição do que seria uma carteirada arcaica.

O sujeito que dá a carteirada é um artista. Ele tem que ter firmeza na voz, ter pleno conhecimento do mundo o qual integra e, daí sim, proferir a carteirada. “Chefia, posso furar essa fila?”; ou “Amigo, eu também sou da casa, tem como facilitar aí para a gente?”, e por aí vai.

Essa é exatamente a conduta de Beto Salada. Não à toa, o personagem é uma criação de Zukerman, o “Rei da Carteirada” na história do Pânico. Lembre-se que em seu quadro O Impostor, o humorista chegou a invadir o velório da cantora Amy Winehouse.

O contato físico

Em forma de caricatura, outro ponto bastante característico do personagem de Beto Salada é o contato físico com os entrevistados. Para muitos (eu incluso), trocar apertos de mão, abraços e beijinhos no rosto (dois para os cariocas) com celebridades (mesmo que sejam apenas integrantes da edição de 2003 do BBB), tem um valor inestimável. Se isso for feito em frente às câmeras, passa a ser uma verdadeira dádiva dos deuses da cultura paparazzi.

Salada abraça. Puxa o ombro. Estapeia. Em uma festa dos 25 anos do Grupo Pixote, estapeou o rosto de vários desconhecidos. O próprio Dodô, ícone-fetiche deste blog Homem Benigno, recebeu umas bofetadas do homem de chapéu de verdura. Em um momento extremo, durante uma festa tenebrosa, sem nenhuma personalidade de destaque, ele se aproximou tanto de um tiozinho gordinho de bigode que o beijou na boca, em um úmido e longo selinho (que, em escala intermediária, poderia ser classificado apenas como selo). Ao sair do ósculo, Daniel (e não Beto), deu uma olhada para o chão e, desacreditado, soltou um “caramba, o que é que eu estou fazendo”?

Em outubro, durante a comentada inauguração do restaurante japonês do grupo Biroska, na rua Canuto do Val em São Paulo, lá esteve Beto Salada entre um público magnífico, daqueles que apenas a empresária Lilian Gonçalves é capaz de reunir. O evento era mágico: tinha a badalação de músicos orientais, cuspidores de fogo e a presença de um desengonçado homem executando números de dança do ventre diante dos convidados.

Pouco tempo depois, conversei com a Lilian sobre esse quadro. Ao lado de um belíssimo Porsche, a rainha da noite de SP me contou alguns detalhes sobre a famosa inauguração. Se disse surpresa com o resultado da reportagem e falou sobre o “auê” que o programa aprontou bem no dia da mega-inauguração. Revelou, inclusive, que o dançarino do ventre veio com a trupe de Zukerman.

Colunista social ou crítico do colunismo? Melhor amigo ou o grande detrator de reputações? Abaixo, vou linkar o episódio de Beto Salada na inauguração do sushi na Canuto do Val. Se você ainda não viu, tenho certeza que esse espanto relatado pela proprietária também vai acontecer contigo.

 

Leia também:

O quadro Zap Zap do Encrenca é o mais fiel retrato do Brasil de hoje

 

« »