Foi você quem me fez assim

Carlos Deotti: Lembranças com sabor de sorvete

Aos leitores mais jovens: acredite, não são poucas as histórias que envolvem Carlos Deotti, esse personagem inesquecível do centro da cidade de Pirajuí.

Em um dos pontos mais centrais, na Praça Dr. Pedro da Rocha Braga, esquina da Rua 13 de Maio com avenida Fundador João Justino da Silva, ele fez história com sua famosa sorveteria.

O legado de Deotti nesse ponto comercial ficou marcado por várias gerações, principalmente, por dois motivos:

  • Seu sorvete era delicioso;
  • O Deotti era um figuraça!
Carlos Deotti
Deotti, personagem carimbado do centro de Pirajuí na metade do século passado

A história de um imigrante

Orgulhosa de seu nome, a família Deotti Zota tem reconhecimento de suas raízes desde a ano 1.600 d.C., na Itália (para alguns pirajuienses, o nome agora é grafado Dioti, como é o caso da querida Selma, que forneceu os materiais para este artigo).

Agora, a história de Carlos Deotti com Pirajuí começa bem depois. Com um ano de idade, o pequeno bambino italiano embarcou em um dos tradicionais vapores e, em 1892, encarou com a extensa família a penosa viagem até o Porto do Rio de Janeiro.

Em seguida, o rumo foi a cidade que crescia na região noroeste do Estado de São Paulo, a Rio do Peixe Dourado.

Ao chegar, a família conseguiu adquirir terras no centro do município que ainda se formava. Tanto que, no terreno ao lado do Fórum de Pirajuí, os Deotti construíram o prédio (que acredito ser o mesmo até hoje) e, ali, montaram um olaria!

De acordo com pesquisa do semanário O Alfinete, publicada no ano 2000, a olaria da família era responsável por produzir mosaicos de calçamento das ruas, pedras de pias de cozinha e balcões de comércio.

Reprodução do Brasão da família: de acordo com a neta Selma, o original, guardado como relíquia de família, tem assinatura de reconhecimento de Napoleão III (1808-1873)

Carlos Deotti o sorveteiro

Conforme o tempo passava, Deotti foi ficando mais velho e os rumos dos negócios familiares mudando. A olaria dava lugar aos populares estabelecimentos de secos e molhados.

Não parou por aí. Em seguida, o ramo escolhido para o mesmo local foi a instalação de um açougue e, posteriormente, de uma fabriqueta onde se produzia mortadela.

Provavelmente, estamos falando de um período que ficou entre os anos 1920 e 1950 naquela esquina central.

No entanto, o talento “escondido” de Deotti apareceria na década seguinte, com a instalação de seu mais famoso comércio: a sorveteria.

Carlos Deotti mostrou-se um exímio produtor – tanto dos picolés quanto das variedades em massa.

O resultado surpreendeu Pirajuí e trouxe inovação ao segmento. Segundo consta, a sua clientela era invejável. Pirajuí e região queriam experimentar o sorvete – e, depois, sempre voltavam.

Foi nesse cenário que surgiram histórias marcantes – e até engraçadas –, que misturam o ambiente da sorveteria com a irreverência do dono italiano.

Uma história que ouvi, por exemplo, é a dos picolés que ficaram esquecidos fora da refrigeração e Deotti, ao perceber o “desaparecimento”, esbravejava achando que tinham sido roubados pelos meninos que perambulavam pela praça!

Ao enxergar, de longe, o líquido derretido no piso, gritou: “e ainda por cima fizeram xixi no meu chão”!

Lendas ou fatos, Deotti carrega consigo um baú de muitos causos. A sorveteria, posteriormente, foi vendida para o ex-funcionário, Mangolin (In Memoriam), que também manteve por alguns anos o estabelecimento com bom movimento.

O legado

Mesmo sem estudo, diante da vida difícil das famílias de imigrantes que chegaram ao Brasil, Carlos Deotti era um homem de grande inteligência – e sabedoria para os negócios.

Acumulou, em tantos anos de trabalho, um admirável patrimônio em imóveis no centro de Pirajuí – e que, posteriormente, foram vendidos e divididos entre os filhos. Uma jornada de sucesso.

No início da década de 1970, perdeu a mobilidade após uma queda. Faleceu oito anos depois, aos 86 de idade.

Além do balcão da sorveteria, ele adorava ficar na janela do imóvel, onde observava as ruas e, vez ou outra, conversava com as pessoas e fazia seus comentários.

Quem viveu na Pirajuí daqueles anos, certamente experimentou o seu delicioso sorvete e deve se lembrar da figura do sorveteiro, Carlos Deotti, admirando o passar dos anos, com seu cachimbo, em uma janela para o centro da cidade.

Lindo registro de uma família italiana: os Deotti Zota, com Carlos ao centro
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