Foi você quem me fez assim

Dona Yola, ícone de Pirajuí, morre aos 101 anos

Em meio a tantas notícias tristes que estamos vivenciando, recebemos também a informação do falecimento de Dona Yola, aos 101 anos, na data de hoje.

Maria Yolanda Lopes Manso da Costa Reis é um símbolo máximo, em vida, da essência da educação de Pirajuí. Ela ensinou a diversas gerações o significado de excelência e comprometimento.

A grandeza da trajetória da Professora Yola na vida pública de Pirajuí é muito especial. Professora marcante, símbolo de comprometimento com o ensino aos seus alunos e formadora de opinião com forte presença na sociedade local.

Prédio onde ficava a farmácia da família e que, durante décadas, foi a residência da Professora Yola, suas irmãs e sobrinhos netos. Foto: Omar Khouri

Espírito pirajuiense

Nascida em 1919, em Pirajuí, passou, desde muito cedo, a ser chamada pelo diminutivo de seu segundo nome, Yola.

Filha do Coronel Adelmar Manso da Costa Reis e de Dona Filhinha, dividiu a infância ao lado de família numerosa: Américo (Zinho), Yola, Walter, Nair, Zilda, Maria Aparecida (Cida), Plínio, Nancy e Celso.

No hoje demolido prédio localizado na Praça da igreja Matriz de São Sebastião, na esquina das ruas Rachid Cury com 13 de Maio, ficava a farmácia de seu pai. Posteriormente (e é dessa época que me lembro), passou a ser a residência de algumas das irmãs e, também, de seus sobrinhos netos.

Por anos e anos, era sempre comum vê-las sentadas na varanda, sorridentes e comunicativas – me recordo, principalmente, da Professora Yola e de sua irmã Cida, já falecida.

Raridade do acervo do saudoso Maurinho do Parque Clube, onde as adolescentes Yola e Maud dividem as cadeiras escolares – A escola primária era na Rua 13 de Maio, atrás da Igreja Matriz, onde hoje e a residência do José Renato Bertoldi

Após concluir as etapas iniciais do ensino, que à época se resumiam ao primário no Grupo Escolar Estadual e ao Externato Santo Maria, a jovem estudante parte para uma jornada de formação na cidade de São Paulo.

A conclusão dos anos de ensino se deu no Colégio Santa Inês, uma clássica instituição salesiana, localizada no bairro do Bom Retiro, com fundação em 1907.

Em 1941, após fazer ali a chamada escola Normal, aos 22 anos, figurava no rol entre as “professorandas” formadas pela instituição. Poucos anos depois, entre os anos 1945 e 1947, seu pai ocupou o cargo de Prefeito de Pirajuí.

Começava uma nova e importante etapa da biografia da nossa centenária conterrânea.

Durante uma festa de casamento, em 1960, ao lado de Fernando Savi.

Professora Yola, com P maiúsculo

Formada e pronta para exercer seu ofício, passa a fazer parte da vida de alunos do então Instituto Estadual de Educação “Dr. Alfredo Pujol”, (Iedap).

Uma experiência que minha geração, infelizmente, não aproveitou. A lamentação se dá pelo fato de tratar-se de uma experiência única, lembrada com muitas saudades pelos seus ex-alunos espalhados por todo o Brasil.

Para se ter uma ideia da devoção pela docente, a própria comemoração de seu centenário agitou, por meses, as comunidades de pirajuienses na internet.

Suas atividades em classe, na disciplina de Geografia, literalmente, fizeram história. Perder suas aulas era, para muitos, uma falha irreparável, pois, a cada encontro nas salas das grandes e pesadas carteiras de madeira, sua fala proporcionava verdadeiras viagens aos estudantes.

Conforme relatam, bastava fechar os olhos para conhecer os principais povos, as maravilhas da humanidade, os diferentes climas e vegetações presentes no Planeta Terra. Era, simplesmente, inesquecível.

Ao lado de Nancy e de outras professoras, em uma reunião da categoria no Salão Nobre do Pujol, há alguns anos.

No final dos anos 1970, conforme ressalta uma nota do jornal Folha de S. Paulo, de circulação nacional, a Professora Yola já recebia homenagens por sua atuação em classe.

Durante o aniversário de Pirajuí, em 29 de março de 1979, ela recebeu uma medalha de “Honra Ao Mérito”, por iniciativa de Luis Carlos Keller.

Nos anos 1990, na gestão do então prefeito José Carlos Ortega Jerônymo, teve seu nome (e de outras professoras lendárias da city) estampados em uma linha de ônibus de estudantes, numa bela e viva homenagem, que até hoje traz boas lembranças. As crianças iam e voltavam para a escola, no veículo de transporte batizado com o nome de quem tanto zelou pelo ensino na cidade.

Na família de Dona Yola, as mulheres foram grandes professoras: Nair, Cida e Nancy. Zilda foi a única a não seguir no ofício.

Belíssima foto aérea do Pujol, antigo IEDAP, onde a Professora Yola fez tantos e tantos pupilos. (Por favor, se alguém souber a autoria dessa linda foto me avise que credito aqui)

A docente na visão dos seus pupilos

Não é difícil extrair relatos apaixonados sobre a Professora Yola de quem dividiu alguns minutos em sala de aula com a docente. No entanto, vamos retratar alguns pirajuienses que, sempre que possível, elevam o nome da educadora e as suas virtudes.

No início do ano de 2017, por exemplo, tive o privilégio de passar uma agradável manhã no Rio de Janeiro, ao lado do ícone pirajuiense, Tito Madi, que nos deixou ano passado.

Ao falar sobre as saudades de Pirajuí e as coisas da terrinha, o cantor me confidenciou que, durante todos esses anos longe, ele telefonava semanalmente para a residência da família Manso da Costa Reis.

Do outro lado da linha, conversava com Yola e a Cida, sobre os mais diversos assuntos, inclusive, as novidades da terra natal – Tito me contou que também foi grande amigo dos homens da família, já falecidos.

Outro nome que exalta Pirajuí nacional e internacionalmente é o do cardiologista Dr. José Pedro da Silva.

Em junho de 2016, uma cerimônia entregava ao filho de Pirajuí, nascido na Fazenda da Faca, o aclamado Título de Cidadão Paulistano, por seus feitos na área de cardiologia, no Hospital Beneficência Portuguesa e à Associação de Assistência à Criança Cardiopata Pequenos Corações.

Emocionado, na presença de seus pais, amigos, e de autoridades diversas na Câmara Municipal de São Paulo, o “Chinês” proferiu longo discurso, onde fez questão de narrar sua trajetória, que começa na região Noroeste do Estado e que, no momento, está na América do Norte, com o UPMC Children’s Hospital de Pittsburgh, Estados Unidos, que anunciou a criação do Silva Center for Ebstein’s Anomaly, em homenagem ao pirajuiense.

Em meio a tantas conquistas, ressaltou o importante papel da: “Professora Yola Lopes Manso, de Geografia, também uma grande pessoa, com tanta cultura que fazia as questões de conhecimentos gerais para o Curso Objetivo, o melhor curso preparatório para a faculdade de Medicina do Estado de São Paulo”.

A Professora ao lado de Nancy, em registro recente, durante visita do ex-vereador Gabriel Giampaulo, que produziu foto.

Por fim, talvez o texto definitivo sobre Dona Yola, tenha vindo das palavras do professor, mestre e doutor, poeta, artista-plástico, curador e editor, Omar Khouri.

Seu artigo, publicado (se não me engano), originalmente no semanário O Alfinete, quando editado pelo saudoso Marcelo Pavanato, também está nas páginas do seu Livro das Mil e Uma Coisas – Textos Breves sobre Comunicação, Semiótica, Artes (Ex) Viventes Etc Et Al (Nomuque Edições, 2000).

Abaixo, seleciono um trecho que, desde a primeira vez que li, mostrou o impacto da relação da Professora Yola com o ensino.

Eu era simplesmente siderado em suas aulas no “Pujol”. Fascinavam-me seus conhecimentos que eram originários de leituras de livros, jornais, revistas especializadas que ela assinava, como a National Geographic, ainda em inglês (língua que ela dominava, assim como espanhol e francês, passando pelo latim), da observação, das viagens que fazia sistematicamente pelo Brasil, o que foi ampliado com viagens para outros países sul-americanos, para países da Europa e para os Estados Unidos.

Quando explicava, portanto, sabia do que estava falando: conhecia por ter visto/estado, além das informações hauridas em livros e outras fontes. Isto me faz lembrar das viagens do “pai da história”, Heródoto, que resultaram nos famosos e fascinantes “nove livros”.

Dona Yola utilizava um mínimo de recursos didáticos, com um máximo de rendimento: sua presença, com a irrepreensível comunicação verbal-oral, giz, quadro-negro. Neste, uma quase taquigrafia ilustrada… Suas aulas: verdadeiras reportagens. Aulas quentes.

Omar Khouri, 2000

Nos últimos anos, a cada notícia e, principalmente, a cada aparição da aniversariante, ela sempre é lembrada e celebrada pelos pirajuienses.

No Dia de Finados de 2019, em Pirajuí, notei um pequeno tumulto nos corredores do Cemitério Municipal. A professora lá esteve para visitar o túmulo de seus familiares e as pessoas, literalmente, faziam fila para cumprimentar, abraçar e beijar a educadora, que de cadeira de rodas esbanjou simpatia – isso digo pois fui testemunha ocular.

Enfim, diante de tanta sabedoria, dedicação ao ofício de educar, de tanto se esforçar para garantir a formação de uma infinidade de alunos, fica mais que claro que apenas um artigo do blog Homem Benigno não é suficiente para exaltar essa mulher.

Dona Yola é um símbolo muito grande e maravilhoso para ser definido em palavras, letras e números. É um acontecimento fenomenal, eu diria que é, até mesmo, um acontecimento mundial: pelo menos, aqui, para o nosso mundo, que tanto zelamos.

Obrigado, Dona Yola, por se dedicar tanto para que seus alunos pudessem viver em um mundo melhor!

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