A Biblioteca Municipal de Pirajuí, durante muitos anos, ficou instalada na Rua Nove de Julho, onde hoje está o Batalhão da Polícia Militar.

Mesmo um tanto apertada e, certamente, abarrotada de livros, lá estava um ambiente muito único, um espaço aberto ao público, em que a gente simplesmente saía da calçada da rua e já mergulhava nesse mar de obras literárias.

Na porta do local ficava sempre uma bicicleta encostada – uma Barra Circular, da Monark –, que pertencia à bibliotecária Mercedes, que diariamente cruzava a cidade com sua bike para trabalhar.

Lá dentro, havia outro símbolo daquele momento muito vivo de nossa infância: a colorida flor no cabelo da Cida Repas, a outra bibliotecária.

Cida Repas, a bibliotecária

Recebo com imensa tristeza uma mensagem sobre sua morte, neste dia 25. A Cida Repas foi uma personagem muito especial da Biblioteca de Pirajuí, sempre carregava um sorriso leve no rosto.

Sua simpatia, o carinho e o acolhimento que ela transmitia, eram um convite à leitura. Consigo fechar os olhos e lembrar da Cida pegando os títulos novos das prateleiras – nossa como eram apertadas! –, que haviam acabado de chegar, e os espalhando sobre uma mesa de madeira.

A cada livro que ela mostrava, lambia a ponta dos dedos e os folheava rapidamente, como que mostrando um aperitivo daquela história para nós, os leitores: “Olha só, desse aqui você vai gostar”.

As flores eram um espetáculo à parte. Como sou amigo de seus netos nas redes sociais, sempre tinha uma sensação muito boa quando uma foto sua aparecia, sempre sorridente e com a flor colorida ornamentando seus cabelos ondulados.

Eu gostava da biblioteca da escola, mas eu AMAVA a Biblioteca Municipal. Ali havia uma liberdade muito grande e, muitas e muitas vezes, passei bons momentos ali sentado, conhecendo os livros e, vez ou outra, conversando com a sempre amável Cida Repas.

Ali conheci e li vários livros desde os infantis até os infanto-juvenis. Mas os que mais me marcaram foram o Escaravelho do Diabo e outros da Coleção Vagalume; no acervo eu também devorei a história em quadrinhos Sua Majestade o Imperador Hirohito, uma HQ gigante de 1989 que contava a biografia do polêmico personagem.

Cida Repas
Este era o prédio da antiga Biblioteca Municipal Getulio Vargas, na Rua Nove de Julho

Cida Repas, a Mamãe Noel

Quando se aproximava o Natal, a bibliotecária cedia lugar à Cida Repas Mamãe Noel!

Era impressionante! Posso estar enganado, mas na minha mente não vem a figura de uma Mamãe Noel, mas a de Cida vestida como um Papai Noel.

Com ela, a alegria. Bonecas, bolas e carrinhos, todos bem simples, mas de graça! Nós pegávamos os brinquedos com alegria (às vezes a gente quase os estragava, tamanha era a euforia), para muitos meninos e meninas humildes de Pirajuí, aquele presente da Cida Repas seria o único que eles receberiam naquele Natal – e, talvez, naquele ano inteiro.

O sonho de Cida Repas em presentear a criançada tomou proporções nacionais! Nos anos 1990, ela foi parar na tela da TV, no SBT, no Programa Portas da Esperança com Silvio Santos.

A simpática Mamãe Noel de Pirajuí queria uma motocicleta para entregar seus brinquedos! Conseguiu! A cidade inteira comemorou com emoção a abertura daquelas grandes portas cheias de luz!

Em 2010, já vivia em São Paulo e escrevi uma coluna no semanário O Alfinete sobre essas lembranças dela como Mamãe Noel. Passados alguns dias, o telefone do escritório do meu antigo trabalho tocou. Eu mesmo atendi. “Marcelo, é você”?

Era a Cida Repas. Chorando, disse que pesquisou com diversas pessoas o meu telefone em SP para me agradecer sobre a lembrança. Fiquei extremamente honrado.

Um agradecimento pessoal

Ao conhecer a Biblioteca Municipal de Pirajuí, tive um contato mais íntimo e intenso com a literatura e as histórias. Foi uma fase importante e que, junto a outras inspirações da nossa terrinha, influenciaram muito no meu futuro.

A bibliotecária com a flor no cabelo poderia ter sido formal ou simplesmente indiferente. Mas sua simpatia me cativou e fez com que eu retornasse mais e mais vezes para o paraíso dos livros.

Hoje vivo para escrever e ganho meu sustento daquilo que escrevo. Devo muito a Cida Repas e serei eternamente grato a ela. Cada vez que eu estiver lendo um livro ou um artigo, terei a certeza que ela continua, do mesmo jeito, me observando e sorrindo.