Foi você quem me fez assim

Compadre Juca: a primeira voz de cada dia

A notícia do falecimento de Compadre Juca, nesta terça-feira (23), deixou aquele aperto no coração dos seus amigos e milhares de ouvintes.

Na Pirajuí Rádio Clube, a voz do Compadre Juca embalou, por anos e anos, o programa Na Beira do Carreador. Atração de música caipira que praticamente iniciava a transmissão da emissora, nas primeiras horas da manhã, quando a luz do dia sequer havia despontado.

Aos 86 anos e há um bom tempo longe dos microfones do rádio, era possível cumprimentar o Juquinha diariamente, na calçada de sua casa – na Vila Ortiz, bem ao lado do também lendário Bar Fio de Cabelo.

A voz das manhãs

Para quem trabalha ou trabalhou em rádio, existe uma relação muito curiosa com o primeiro horário de cada programação. É a voz que dava o primeiro “bom dia” seja para o trabalhador que acaba de se levantar ou para aqueles que acordam bem cedinho, por natureza.

Não é um trabalho fácil. Para segurar o ouvinte, é preciso oferecer um conteúdo atrativo – caso contrário, basta deixar a música caipira rolando, sem locutor, não é mesmo?

O nome do programa de Juca era Na Beira do Carreador – um título que acho lindo, e que fala diretamente com grande parte do seu, digamos, público-alvo.

Para quem não conhece o termo (eu mesmo, à época que ouvia o programa, não conhecia), carreador é o caminho aberto entre as plantações na lavoura.

Na Beira do Carreador é o lugar onde muita gente, seus ouvintes – e o próprio Juca – viveram muitos anos de sua vida, no trabalho duro na roça.

Ao homenagear o programa com essas músicas e esse nome, ele fala, automaticamente, do passado de muita gente. E, como quase tudo aquilo que deixamos para trás, geralmente nos emociona.

Juca em foto recente – era muito comum vê-lo com o uniforme do Santos FC

Generosidade profissional

Já conheci Compadre Juca em seus 70 e poucos anos. Com cabelos sempre um pouco compridos, penteados para traz, usava os óculos de lente grossa, o tempo todo no rosto e carregava para o estúdio seus diversos cadernos. Eles eram ferramentas do seu trabalho.

De variados tamanhos, com folhas grampeadas e outras já rasgadas, quase caindo, estavam sempre sobre a mesa em que ficava o microfone.

Neles estavam versos, frases, mas, principalmente, nomes para os quais ele mandava os seus intermináveis abraços todas as manhãs, religiosamente.

Havia uma sensação de proximidade e acolhimento ao acordar, bem cedinho, estar tomando seu café para começar o dia e ouvir o Compadre Juca lembrando de você, mandando-lhe um abraço, falando uma frase carinhosa. Não tinha preço esse simples reconhecimento!

Lembro que, algumas vezes, até o caderninho falhava. “Vou logo mandando um bom dia para Fulana e o marido Ciclano”, daí minha mãe comentou na cozinha – “Nossa, mas eles já se separaram faz anos”.

Tudo bem. No caderninho do Juca, eles ainda estava unidos.

Outra característica muito comum em emissoras de pequenas cidades do interior são as Notas de Falecimento. Ainda nos dias de hoje, o rádio ligado ajuda a informar quem partiu – além de dados sobre velório e enterro.

Logo pela manhã, na rádio, não havia tempo de gravar a nota. Sendo assim, Juca narrava, com sua voz, sobre a trilha sonora fúnebre, o nome de quem partia.

Muitas vezes, logo após anunciar a triste notícia, abria um de seus caderninhos e riscava o nome da pessoa, que era um ouvinte. Esse nunca mais iria receber um alô pela manhã.

Sua generosidade profissional era muito grande. Sempre me tratou muito bem, de forma acolhedora, desde meu primeiro dia na rádio.

Fazia menções carinhosas no ar e, quando o assunto era música caipira e sertaneja, estava sempre pronto para tirar dúvidas e fornecer informações – era um assunto que dominava.

Não tinha ego inflado. Seu microfone era bastante comunitário. Foi em seu horário, se não me engano, que o Waltinho Prudenciano, técnico de som, passou a arriscar na locução.

Da mesma forma inusitada, em alguns dias, era possível ouvir, em plena madrugada, a animada voz de uma criança anunciando canções e mandando abraços.

Era sua filha, Grazielly, à época ainda criança, que acompanhava o pai no estúdio e, gradativamente, passou a ter seu espaço na atração matinal.

Ao lado dos filhos: Gilberto, Grazielly, Darci e Turquinho

Homem da música

Confesso que não tenho assim tantas informações detalhadas sobre a vertente musical do Juca e família e, por isso, como sempre, peço auxílio aos amigos e filhos para que possam enriquecer mais este texto-homenagem.

Sei que o Compadre Juca respirou música a vida toda. Adorava cantar o seu Tonico & Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho, etc.

Também era compositor. Sei, ao menos, de uma música de sua autoria – Palavra de Motorista, interpretada pela dupla Cristian & Nando.

Dentre seus filhos, a música e a composição foram herdadas. Um deles, pelo que me parece, também é compositor. Na carreira, está seu filho “Turquinho”, sanfoneiro extremamente requisitado, que já participou da gravação de mais de uma dezena de CDs com músicos profissionais – como a dupla Teodoro & Sampaio. Hoje reside em Londrina (PR).

Quem teve o privilégio de ouvir o Compadre Juca no ar vai entender bem o que escrevo agora. Para fazer o que ele fazia, naquele horário e com aquele estilo todo, era preciso ter uma autenticidade muito grande para poder conquistar o ouvinte.

Na profissão e na vida, Juquinha sempre teve essa autenticidade. Não era forçado, era uma voz que carregava um jeito verdadeiro de ser.

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