Foi você quem me fez assim

A família Paulovich e a arte da Igreja Matriz

Pirajuí tem na pintura sacra uma beleza que remete a outros tempos (mais prósperos) de nossa história – e com a arte da Igreja Matriz não é diferente.

Se o hoje Santuário de Nossa Senhora Aparecida teve suas maravilhosas paredes decoradas pelo artista italiano Antonio Maria Nardi, no final dos anos 1930, em movimento encabeçado pelo Luiz Santarosa, o templo pioneiro foi diferente.

Com uma construção que se confunde com a origem do município, tanto que leva o nome do então povoado de São Sebastião do Pouso Alegre, a arte da Igreja Matriz, da forma como a conhecemos hoje, foi produzida nos anos 1920.

E a beleza e a persistência dessas imagens estão diretamente ligada à chegada da família Paulovich a Pirajuí.

Uma visão do altar da igreja Matriz de São Sebastião vista do coreto aos fundos

Conexão Iugoslávia-Pirajuí

Pouco antes de 1920, com o final da Primeira Guerra Mundial, diversas mudanças geopolíticas na região dos Bálcãs formaram o chamado Reino da Iugoslávia.

Com o término da Segunda Guerra, em 1945, essa região seria dividida em seis repúblicas que formavam a então Iugoslávia: Eslovênia, Croácia, Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro e Macedônia.

A partir daí, tantos outros conflitos e mudanças seriam registradas.

Mas, no início de todas as duras batalhas, a família Paulovich, que residia na então Iugoslávia (na região da Eslovênia), se via obrigada a deixar sua terra de origem em busca de paz e melhores condições de vida.

Essa movimentação fez com que se mudassem, inicialmente, para a Áustria. Tempos depois, em meados da primeira década do século, desembarcariam no Porto de Santos, rumo a uma fazenda em uma próspera região que se formava na região Noroeste do Estado: o recém nomeado município de Pirajuí.

A arte da igreja Matriz naquela época era outra – o templo marcava a região inicial do povoado que se tornara município. Tanto que as novas estruturas locais substituíram o cemitério, que ficava onde hoje está a Sede Cristo Rei e a Casa Paroquial.

O casal Luiz e Maria Paulovich morava, com extensa família, em uma fazenda da imensa zona rural pirajuiense. Dentre os dez filhos que tiveram, em 1915, estavam gêmeos Alberto e Paulo Paulovich – o segundo, viria a falecer aos seis meses de vida.

Quando criança, entre sete e oito anos de idade, Alberto acompanharia uma mudança radical na sua rotina na fazenda – e que revelaria o futuro de sua história de vida.

Vindo da então Iugoslávia, desembarca em Pirajuí seu tio, Francisco Paulovich, em 1923. Na bagagem, além dos horrores da Primeira Guerra, onde lutou por dois anos, havia pincéis, tintas e ferramentas de um ofício muito especial, adquirido durante décadas de atuação em diversos pontos da Europa.

Francisco Paulovich chega a Pirajuí, em 1923, após a guerra e o campo de concentração

A guerra lhe marcou muito – foi capturado em batalha pelo exército russo e ficou em um campo de concentração. Recebeu certas regalias pelo fato de pintar, na prisão, belíssimos retratos dos oficiais russos.

A pintura, em especial, a decoração de igrejas e templos estavam entre suas especialidades.

Logo que chega a Pirajuí, passa a trabalhar na revitalização interna e arte da Igreja Matriz de São Sebastião, recém-reformada, em 1924.

O público da igreja, então formado por fazendeiros, suas famílias e empregados, passa a ficar boquiaberto com o que estava se desenvolvendo diante dos seus olhos.

A riqueza de detalhes, a precisão, as cores e uma sensação de profunda imersão passa a sair dos pincéis de Paulovich.

Além de Pirajuí, templos em Avaré, Birigui, Descalvado e São Manuel receberam as obras do artista.

Artisticamente falando, os painéis da igreja pirajuiense mostram um encerramento no estilo de Paulovich, que também passara por Viena, onde aprimorou sua arte.

Na arte da Igreja Matriz, é possível notar figuras com ar de arrependimento – inspiração que recebera do artista do expressionismo austríaco Oskar Kokoschka (1886-1980).

Francisco faleceu em 1981, em Oriente, mas foi sepultado ao lado da esposa, no cemitério de Cafelândia (SP) – cidade onde viveu grande parte de sua história.

Este site magnífico possui toda a obra de Francisco Paulovich.

A imponente Igreja Matriz, sem as árvores de sua praça lateral, quando da inauguração das pinturas de Paulovich

A vocação

Do chão, ajudando na limpeza, levando tinta e equipamentos ao andaime do tio, está o pequeno Alberto Paulovich, maravilhado com esse novo mundo que aparecia diante dos seus olhos.

O tempo passou e a família mudou-se, em grande parte, para a cidade vizinha, Bauru.

Albeto Paulovich, pouco antes de seu falecimento, nos anos 1980 – eterno bauruense

Em 1945, no entanto, após algum tempo buscando outros ofícios, o herdeiro da arte, Alberto Paulovich, executa seu aprendizado em uma igreja localizada na cidade de Araxá (MG).

Era um novo começo. Nas mãos de Paulovich, foram pintadas as igrejas nas cidades de Irapuã, Ibitinga, Iacanga, Potirandaba, Mineiros do Tietê e Bauru.

Um detalhe marcava sua obra: praticamente em todas as pinturas sacras, prevaleceram templos públicos e abertos à população.

A única exceção foi uma capela em uma fazenda, no Paraná, de propriedade particular.

O artista bauruense

Apesar de nascido em Pirajuí, a biografia de Paulovich faz dele um legítimo cidadão bauruense. Na cidade, onde viveu praticamente todo o tempo no bairro Bela Vista, teve seus filhos e consolidou sua carreira.

Como artista plástico, desde os anos 1930 recebe certo reconhecimento. Em 1938, produz um auto-retrato que conquista o prêmio de destaque do primeiro Salão de Belas Artes de Bauru.

Posteriormente, desenvolve uma técnica pela qual seria lembrado – tanto quanto as obras em igrejas. De forma inusitada e criativa, Paulovich passa a buscar areias de diferentes pigmentos e inicia pinturas inteiras sem tinta, apenas com os grãos recolhidos do chão bauruense.

Chão de Bauru: acredite, esse auto-retrato de Alberto, feito em 1970, possui apenas grãos de areia de diferentes pigmentos

Com o passar dos anos, fica claro que a mente de Paulovich era admirável e diferenciada, sob uma inteligência única. Seja na matemática, nos escritos e nas artes, mostrou-se uma figura muito especial.

Abstêmio e extremamente religioso, cultivava alguns pequenos prazeres durante toda a vida, como a prática do ciclismo.

E, ironicamente, foi sobre a querida bicicleta que, em outubro 1989, fora atropelado e não resistiu aos ferimentos, onde faleceu aos 73 anos de idade.

Posteriormente, a cidade de Bauru retribuiu parte do amor a ela dedicado pelo brilhante Paulovich, dando o seu nome a importante rua no populoso bairro Mary Dota.

Um pouco mais da obra de Alberto Paulovich pode ser conferida nesta página, mantida pela sua família.

A arte da Igreja Matriz de Pirajuí

Pode-se dizer que ela é a preferida dos casamentos, fica linda nas cerimônias e álbuns.

Sua estrutura combina com sua majestosa praça. Juntas, formam um dos principais cartões postais de Pirajuí.

É uma igreja que está sempre ao lado de nossa vida, nossas histórias.

No caso de minha família, relaciona-se ao ofício do meu tio avô, o saudoso Oswaldo Calcetta, também conhecido na Vila Ortiz como “Gazeta”. Exímio pintor – não de artes sacras, mas de fachadas –, era o profissional que, durante décadas, encarou o desafio de se dependurar nas torres das duas igrejas para pintá-las e cuidar da manutenção visual desses símbolos locais.

Apesar de ter sido elaborada pela mente criativa de Francisco Paulovich, o sobrinho Alberto sempre teve ligação com a arte da Igreja Matriz.

Como era o que havia de mais próximo da figura do autor, exerceu, por algumas vezes, um trabalho em manutenção e consultoria.

Curiosamente, um dos descendentes locais dos artistas, meu amigo Igor Paulovic, produziu essas maravilhosas fotografias 360º da Igreja Matriz. Confira!

Alem das informações da família Paulovich, agradeço também ao rico conteúdo do Mafuá do HPA, do querido Henrique Perazzi!

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