Foi você quem me fez assim

A sangrenta história da criação do Distrito da Corredeira

“Pradínia, Estiva e Corredeira”. Quem é de Pirajuí, com certeza, tem esse trecho maravilhoso do hino da cidade de cabeça – aliás, o querido Paulo Alcestre Teixeira da Cunha, o “Piatã”, foi extremamente feliz nessa construção, não é mesmo?

No entanto, falar sobre a Corredeira é tratar de uma região tão antiga – ou, até mesmo, MAIS antiga – que o próprio território de Pirajuí.

A fundação daquela comunidade foi marcada por intensa atividade dos pioneiros. E, como consequência, foi palco de uma história sangrenta, envolvendo combates violentos entre os fundadores e as tribos indígenas que viviam no local.

A história a seguir é um registro raríssimo, narrado no extinto jornal Correio de Pirajuí, no ano de 1950, por conta do cinquentenário da Corredeira. A pesquisa e redação é de autoria de Alcino Maia Guimarães, ou “Cecy”.

Importante: Aliás, só podemos dividir aqui esse fato bastante curioso por conta do trabalho de preservação da memória que, corajosamente, a família do amigo Celsinho Vianna (e aí também incluo meu colega de infância, seu filho Celso Gustavo Morgado), em cuidar de nossas riquezas históricas.

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A linda capela de São Benedito em foto recente. Terreno guarda memórias de um episódio trágico – foto @gilbertominguetto

A fundação da Corredeira

O ano era 1900. Uma família de desbravadores, basicamente formada pelo casal Joaquim José dos Santos e Ana Maria dos Santos e seus sete filhos, vem viajando em condições precárias desde a cidade de Amparo (SP) após uma breve passagem por Bica de Pedra, região banhada pelo rio Tietê e que viria a ser denominada como o município de Itapuí (SP).

Chegaram nas terras na nossa região e ali viveram de forma rústica, em casas improvisadas, por aproximadamente quatro anos. Após esse período difícil, conseguiram juntos construir a sede do que viria a ser a Fazenda São Sebastião.

Benedito Antonio dos Santos, filho do casal fundador e integrante da primeira leva de moradores da Corredeira. Em 1950, época da foto, ele morava em Bauru

Batalha contra os índios coroados

Após 1905, a família Santos e os demais moradores da comunidade que passava a crescer cada vez mais, passou a ter rotineiros conflitos com os habitantes originários daquelas terras, os índios da tribo coroados.

O termo coroados, aliás, é uma denominação feita pelos portuguesas e que simplifica uma série de características dessas tribos – os chamaram assim por utilizarem cocares em forma de coroa.

Foram assim chamados os caingangues  (ou kaingangues) de São PauloParanáSanta Catarina e Rio Grande do Sul[1]; os caiapós do norte de Mato Grosso; bem como os bororos, os coropós, os puris e os xerentes.

No caso da Corredeira, esses coroados ou kaingangues fizeram uma primeira incursão mais violenta pela luta por suas terras ainda 1905. Uma espécie de biólogo da época, o Dr. Olavo Humes, viajara até a região para estudar a foz do Rio Feio quando sua equipe foi recebida a flechadas pelos índios.

Tribo de índios kaingangues (coroados) da nossa região – essa é uma foto de 1922, registrada quando da ampliação das linhas de trem – acervo do Museu Ferroviário de Bauru

A tragédia da Corredeira

No entanto, o dia 31 de julho de 1906 que ficaria marcado como o mais trágico e sangrento da jornada de criação daquele povoado.

Um grupo de sertanistas havia deixado a sede da fazenda para abrir caminho nas matas, onde hoje fica a praça central da Corredeira.

Enquanto derrubavam a mata virgem, foram recebidos a flechadas por todos os lados. O ataque violento e de surpresa teve contornos trágicos: quatro mortos.

Perfurados mortalmente por flechas e, em seguida, com os corpos dilacerados pelos índios enfurecidos pela invasão do território, ali perderam a vida os locais:

  • Joaquim Cezario dos Santos Filho;
  • Felicio Alves;
  • Manoel Taveira;
  • Alvarino dos Santos.

O ataque deixou aquela pequena comunidade dilacerada.

E não parou por ali. No dia 25 de agosto, poucos dias após a morte dos moradores, os kaingangues voltaram a atacar a comunidade da Corredeira.

No entanto, mais preparados, os moradores locais saíram em vantagem. O confronto igualmente violento teve mais baixas do lado indígena – inclusive, do seu líder, o cacique Arari, abatido pelo sertanista Benedito Antonio de Camargo.

A derrota abalou de tal forma os índios da região que, sem sua liderança, resolveram migrar para uma outra região, que anos mais tarde (1915) começaria a ser a cidade, justamente, o município de Coroados (SP).

O jornalista Alcino Maia Guimarães, o “Cecy”, que nos brindou com esse belo registro histórico

O que está debaixo da capela da Corredeira?

Assim que tiveram acesso aos corpos dos quatro conterrâneos, a população local, chocada com tudo o que tinha acontecido, improvisou uma cerimônia solene para o enterro coletivo.

Foram todos sepultados próximos uns aos outros. Sobre eles, foi instalado um grande cruzeiro.

Anos mais tarde, entre 1917 e 1918, a cruz seria retirada e o local receberia, ainda em madeira, a primeira capela daquela comunidade que estava prestes a se tornar uma “vila”. Tempos depois, a construção foi feita em tijolos, com a edificação da linda capela de São Benedito da Corredeira.

Em abril de 1923, a Corredeira receberia seu distrito de paz.

Hoje a linda capela, que recebe visitantes, ciclistas e belas celebrações religiosas, carrega essa ferida das lutas sangrentas que marcaram o início da urbanização de nossa região.

Você conhecia essa história?

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