Houve uma época em que o escritor Nick Hornby só se ocupava em gravar fitas cassetes para o John Cusack pegar a mulherada. Pois bem, nessa fase, ele disse (escreveu) algo do tipo: você é o produto cultural que você consome. Tudo bem que lá atrás não havia essa infinidade de séries e filmes para TV que temos hoje em dia – era no máximo Seinfeld e As Noivas de Copacabana. Agora há tudo isso que todo mundo comenta e, ainda por cima, Bloodline na Netflix.

É difícil Bloodline te pegar. Tem o mundo ali na frente, antes dela: as séries mais famosas, as mais antigas sendo relembradas, documentários, filmes argentinos com a cara do Darín na capa, aqueles de natureza que são bom para tirar uma soneca, os desenhos dos seus filhos…

Isso sem citar aquelas que você só assiste via HD externo, tipo Game of Thrones, que é o cara do seu serviço que passa a madrugada baixando e legendando para você. E na hora de te entregar o arquivo ele diz: “aproveita que botei um pornozinho também de brinde, está na pasta ‘Educativos’ só para disfarçar”.

Enfim, isso prova que existe UMA MURALHA de produtos culturais na frente de Bloodline na Netflix.

Mas você é persistente. Estava ali mexendo de boa, conseguiu um tempinho extra. Viu que tem um mar azul demais. Viu que é original Netflix e esse povo só tem feito produções modernas e tals – aliás, tirando as séries ruins que ela fez, o restante só tem coisa até que boa né?

 

Família

Bloodline é uma série sobre família. Aliás, sobre como é difícil conviver em família. Família é a melhor coisa do mundo: mas sempre tem algum BO rolando. Ou é dinheiro ou é falta de dinheiro ou é um tio problemático com álcool ou uma tia que anda postando textões no Facebook ou o sobrinho rebelde que fez do grupo de WhatsApp dos parentes uma verdadeira tribuna política.

Pois bem. A série relata mais ou menos isso, porém em um grau bem mais grave, que é onde as tretas familiares beiram e até ultrapassam a barreira do crime.

A trama tem como eixo o clã dos Rayburn. A família vive e é proprietária de uma big pousada em uma comunidade em Flórida Keys – quanto será que vale um trem daqueles? Deve valer muito, mas tem que render uma fortuna – dizem que o IPTU lá é mais caro que o de Praia Grande (SP). Flórida Keys é um lugar que é muito comum o povo conhecer quando vai mexer com Cruzeiros na gringa – ou então se você for fazer UM TCC sobre Ernest Hemingway!

Apesar dos patriarcas, o foco é maior no filho John Rayburn, o bom policial – mas meio gordão, pique aquele guardinha em The Simpsons. Há ainda uma irmã, Meg, a advogada meio deslocada que vive enrolando o namô bonzinho e Kevin, o caçula desajustado, que não quer nada com nada, só quer saber de empinar pipa.

Quando Danny, o primogênito, resolve voltar para a casa dos pais, é aí que o caldo começa a entornar. Danny é muito mais que um desajustado (como o caçula), o bicho é problemático. Cheio de confusão para a cabeça, problema com droga, com polícia, só fita errada. É aquele sujeito que anda com uma nuvenzinha negra em cima da cabeça, saca. Todo mundo conhece alguém assim: pode marcar essa pessoa aqui nos comentários desse post. Mentira.

É impressionante, a história é tão tensa que, quando Danny está em cena, você fica se sentindo constrangido, meio que querendo desviar o olho da TV, ir buscar um Dolce Gusto na cozinha… Tipo quando ia alguma criança muito petulante cantar no Raul Gil, lembra?

 

Bloodline na Netflix te ensina a esperar antes de julgar

Danny é uma bomba relógio, certo? Certo, pode até ser. Mas ele não foi sempre assim. Os problemas na vida dele não apareceram do nada. Sua rebeldia e as consequências dessa conversão em caprino negro da casa tem uma origem no passado do clã. Uma treta que rolou lá atrás e que os Rayburn tentam, a todo custo, apagar. Pois é… A partir daí eu estaria fazendo o que os jovens costumam chamar de DAR MEIA DÚZIA DE SPOILERS.

O clima e as paisagens de Flórida Keys ajudam bastante como cenário da série. Está sempre um sol gostoso (de vez em quando rola aquela chuva de fazer barro). O engraçado é que, apesar do clima tropical, das palmeiras e das garrafinhas de Corona em todo o lugar, o povo está sempre vestido, camisa de botão, dá uma aflição, os personagens ficam suados feito bomba de Fusca. O Danny mesmo, está sempre ensebado.

Crises familiares. Ação policial. Bons atores. Cenários paradisíacos. Bloodline na Netflix tem tudo para ser um tesão, certo?

Mais ou menos, meu sobrinho.

Logo que saiu a segunda temporada, anunciaram que a série estava cancelada. Na real, falaram que a terceira temporada seria a última. E foi mesmo.

A coisa deu uma arrastada saca… A segunda temporada mesmo já dava sinais que eles não estavam segurando muito bem a peteca. Sabe aqueles casamentos em que o padre desembesta a falar no meio da cerimônia, enquanto todos estão com cabeça pensando na mesa de frios da festa? É mais ou menos assim.

A internet nos fez mais rápidos. Os smartphones nos deixaram sem paciência. Ler uma página inteira de uma revista no papel parece uma eternidade. Acordamos no Zap Zap, passamos o dia no Facebook Messenger e vamos dormir naquela parte das mensagens secretas do Instagram, falando besteira, para variar.

O mundo está muito urgente, muito imediato – e as crises existenciais dos Rayburn ainda são muito analógicas para esse público tão digital.

 

 

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